PATRÍCIO ROMANO OU SANTO CATÓLICO

Olhos de perito o viram, informaram quem de direito, mas o santo lá continuou junto à vinha, perto dum rego de água, que ninguém lhe quis lançar mão e salvar do esquecimento! Agora, mais de 20 anos passados, se lhe dá honra de menção.

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Quando, em 2002, se procedeu ao inventário – para a ex-Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais – do que, no passal de Távora (freguesia do concelho de Tabuaço, distrito de Viseu), havia de património cultural a ter em conta, já esta pedra, de forma invulgar, havia sido notada pois não era, na aparência, mais uma pedra tosca, disposta a ser votada ao esquecimento, coberta de musgo. E alertou-se para a necessidade de conservação pelo facto de haver tradição de ser o que restava da representação de Santo Ovídio, vindo da sua capela arruinada.

Agora, com outros olhos, voltou-se ao local e diligenciou-se no sentido de a pedra ser transportada para dentro do espaço do passal, procedendo-se, desde logo, a uma primeira limpeza para se tentar perceber do que se tratava.

E a surpresa surgiu!

fotografia de 2002

Estamos perante uma escultura de granito de grão fino, mutilada na parte superior e na base, faltando-lhe a cabeça, as mãos e a base abaixo dos joelhos. Tem de dimensões aproximadas 65 cm de altura e 101 cm de perímetro no meio do corpo.

Não descartando a possibilidade de poder tratar-se de uma estátua a representar um senador romano, atendendo à existência de vestígios romanos encontrados em Casal Telo, outra hipótese que se coloca é a de ser  uma imagem de culto, talvez medieval, tradicionalmente atribuída a Santo Ovídio e que terá sido, antes, de Santo Isidoro, mormente porque, nas Memórias Paroquiais de Távora de 1758, é mencionada a capela de Santo Isidoro, abaixo de Casal Telo, pertencente ao povo.

A mesma capela, com orago de Santo Isidoro, aparece referida na História Eclesiástica da Cidade de Lamego, de D. Joaquim de Azevedo, redigida em finais do séc. XVIII, mas apenas publicada em 1877 (pág. 162), voltando, depois, a ser mencionada no Portugal Antigo e Moderno, de Pinho Leal, de 1880 (vol. IX, pág. 515).

Curiosamente, em 1911, aquando da nacionalização e arrolamento dos bens paroquiais em Távora, a capela de S. Isidoro, já em ruínas, aparece mencionada como capela de Santo Ovídio, demonstrando o esquecimento a que já então se encontrava votada e o lapso criado na identificação do orago, depois perpetuado por Gonçalves Monteiro em 1991 na obra Tabuaço – Esboço e Subsídios para uma Monografia (pág. 464).

O que restava desta estátua de granito – que, segundo a tradição local, terá vindo da antiga capela de Santo Isidoro, sita por baixo de Casal Telo – havia sido conservado no passal de Távora, também ele muito arruinado já em finais do séc. XIX, e apenas reconstruído entre 1994 e 1997.

Não é, seguramente, uma peça religiosa de elevado patrimonial, atendendo, inclusive, ao estado degredado em que se encontra. Constitui, no entanto, uma memória a preservar. E também por isso nos agradou a hipótese de sugerir duas reconstituições do que poderia ter sido: um togado romano ou um santo digno de figurar num altar.

(em co-autoria com José Carlos Santos)

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