Cativa a imagem de Maria, Santa Maria de seu nome de verdade, que pousa, em jeito de Rainha, em seu trono sobranceiro ao altar-mor da catedral de Viseu.
Lavrou-a um piedoso escultor em calcário brando, de Ançã porventura, no longínquo século XV ou XVI, encomenda, talvez, de bispo também piedoso. Deu-lhe o porte de Rainha, pôs-lhe ao colo o Menino e houve quem, de imediato, lhe cobrisse de azul e ouro o manto que envergava e quem o fez também vestiu logo ao seu Menino a alegre tunicazinha de seda e ouro que até deu para ele brincar.
E logo a coroaram a Ela e ao Menino, coroa de Rainha, como a do Menino, esta só mais pequenina, de prata e ouro lavrado, safiras a ornar, de límpida cor azul, como o céu, como o seu olhar.
Demoram-se ali, no altar, há quinhentos anos.
Há um olhar inquieto e doce, o da Rainha que tem jeito de Mãe, sobre a vastidão da nave. Não diz nada o Menino, sabe que a Mãe está a velar sobre esses filhos que ali entram, tanta vez descuidosos, tanta vez à busca de caminho.

Há dias me aconteceu que – lendo velhos Livros dos Assentos de Baptizados da paróquia cuja igreja-mãe era a Catedral e, ao tempo, meados do século XIX onde eu procurava, se chamava Oriental – me deparei com a singular evocação da Senhora do Altar-Mor feita nessa hora de eleição – o rito baptismal – em que a Senhora do Altar-Mor é nomeada como “madrinha” de Maria, de António, de José… de tanta criança, como se para tal acto tivesse sido convidada.
E a Senhora lá está, como os padrinhos, tanta vez representada por procuração, e ali, no Assento, se diz que “foi madrinha Nossa Senhora do Altar-Mor com cujo ramo tocou”. E nomeia-se alguém ali presente, o avô da criança, às vezes o Sacristão, como padrinhos. Que o Sacristão surge, muitas vezes, representando a Senhora, segurando o místico “ramo” com que, tantas outras vezes, tocará a cabeça dessas crianças – tantas que ali vieram, trazidas da Roda dos Expostos, onde alguém as colocara dias antes…
Poderia ser um ramo de ouro ou prata que a Senhora do Altar-mor tivesse de sua posse e em cofre estivesse guardado. E assim fosse usado. Mas não. Como noutras vezes acontecia, em que S. José ou Santo António eram padrinhos. E era com a coroa da imagem que alguém tocava a cabeça da criança. Ao caso talvez bastasse um ramo natural de flores secas ali guardado. Ou talvez um ramo natural das flores que lhe enfeitavam o altar.
Místico ramo (ramo de ouro que evocará cultos ancestrais), através do qual se transferia a virtude da Senhora do Altar-Mor. Nossa Senhora tantas vezes chamada de Madrinha – que mãe não haveria, para a criança, vida fora, porventura.
