A FUGA PARA O EGIPTO

A história bíblica contada num quadro de Grão Vasco

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Vasco Fernandes de seu nome, muito cedo apelidado de Grão Vasco pelos admiradores da valia da sua obra tem, em Viseu o singular Museu que guarda o seu nome e muita da sua obra hoje elevada à categoria de Tesouro Nacional.

Uma obra que extravasa as fronteiras da cidade de Viseu e seus largos termos, com singular representação, por exemplo, em Lamego, para onde o pintor recebeu encomenda do valioso retábulo da capela-mor da Catedral. Está hoje no Museu de Lamego a parte remanescente, e guarda-se em Coimbra o painel do Pentecostes elaborado para o Mosteiro de Santa Cruz.

De entre ela sobressaem as grandes tábuas pintadas à ordem do Bispo, depois Cardeal, D. Miguel da Silva, onde se destaca o painel de S. Pedro entronizado com suas vestes papais e um conjunto de catorze tábuas, parte remanescente do retábulo que o Bispo D. Fernando Gonçalves de Miranda lhe encomenda a ele e a seu companheiro de trabalho, Francisco Henriques, para o altar-mor da Catedral.

Desse retábulo merece hoje a nossa atenção o painel de título A FUGA PARA O EGIPTO executado entre 1501 e 1506, para salientar, não o tema da apressada fuga para o Egipto, de que apenas o evangelista S. Mateus nos dá conta, mas para relevar os elementos de uma tradição oral de que Grão Vasco naturalmente se apropria, poética tradição contada ao jeito de legenda nos Evangelhos apócrifos.

Grão Vasco, no painel, não nos descreve a demorada viagem para essa terra de exílio mas a pausa no caminho, talvez numa hora de meio-dia, quando S. José se lembra de colher numa árvore, à beira do caminho, uns frutos maduros, talvez peras das que mais tarde chamámos de S. Bartolomeu, com maturação em Agosto, e as guarda na cestinha que Maria lhe estende, jeito das cestinhas que ao tempo se fabricavam em Vildemoinhos, na margem de Viseu, com a designação de amieiras.

Vêem-se, ao longe, os ceifeiros, entregues à sua faina da ceifa do trigo para a quinta do abastado senhor que demora perto, cena que relembra essa popular história do “Milagre da Seara”, artificioso episódio que ajuda a salvar o Menino da sanha de Herodes. E se conta assim:

Após a retirada dos Magos, José, avisado por um anjo que irá guiá-lo no caminho, foge para o Egipto.

Ainda não iria longe de Belém, quando os soldados de Herodes, na sua peugada, não descobrindo os fugitivos, perguntam aos ceifeiros se terão visto passar a tal família que descreveram, a que levava um Menino, e eles lhe respondem que os viram passar, andavam eles na sementeira do trigo. Olharam entre si os soldados. Tarde demais. Iam já longe os fugitivos.

Grão Vasco, obedecendo à poética da popular história, marca no chão do caminho as passadas da burrica, mas desenha-lhes as ferraduras no sentido inverso do caminho que tomara.

José, Maria e o Menino já meio crescido, voltarão do Egipto quando lá chegou notícia da morte de Herodes e regressarão a Nazaré, a sua terra, que o Menino ainda não conhecia.

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