“As velas ardem até ao fim” é um livro que li várias vezes e que releio sempre que constato como os anos começam a tropeçar já uns nos outros, avisando para a inevitabilidade do fim e para os segredos que guardamos ou escondemos do tempo e da vida.
Um livro sobre a amizade, essa rigorosa lei humana. Um livro sobre o amor. Um livro sobre a necessidade de verdade. Um livro sobre a velhice e sobre a morte. Um livro sobre a força peculiar dos (mais) velhos. E um livro sobre Krisztina, uma pessoa soberana por dentro, algo tão raro hoje em dia, alguém que não suportava as limitações, em nenhuma sentido. Um livro também sobre o destino onde constatamos que cada um gera aquilo que acontece consigo: ”o homem e o seu destino seguem-se um ao outro, evocam-se e criam-se mutuamente.” Esse destino que entra pela porta que nós próprios lhe abrimos, convidando-o a passar.
Quando não podemos morrer sem resolver um último enigma, sem confessar um último pecado, sem responder aquela pergunta, sem obter a última resposta. É assim tão forte a natureza humana. Não morremos sem conhecer a resposta para a verdadeira, a grande pergunta da nossa vida.
Este livro mexe sempre comigo porque sobreviver a alguém, sobreviver a quem amámos tanto que seríamos quase capazes de matar, sobreviver a alguém a quem estávamos ligados de tal maneira que quase morremos por isso, é doloroso, é inexplicável, é maravilhoso. Porque nele percebemos que só através dos detalhes podemos perceber o essencial. Porque é preciso saber como é que tudo aconteceu assim nas nossas vidas. Onde está o limite entre os seres humanos? Onde está o limite da traição? O que fazer quando as coisas nos começam a falar, quando a vida se nos dirige através da sua linguagem simbólica, convidando-nos a procurar compreender os sinais e as respostas.
Eis um livro sobre a solidão, esse estado em que conhecemos tudo e já não temos medo de nada. Um romance sobre um homem em busca da verdade. E quem procura a verdade só pode começar por buscá-la dentro de si porque, no fim, “o mundo não importa nada. Só importa o que fica nos nossos corações.”
E eu lembro-me disto todos os dias.