Perante uma plateia no Auditório do Centro Cultural José de Castro, em Paço de Arcos, os convidados concordam que a pandemia do coronavírus veio sublinhar um contexto de fragilidade. Ricardo Santos Pereira lembrou que, a propósito da efeméride de dia 10 de Outubro, a incidência de notícias sobre a temática foi muito maior. Lembrou ainda que no ano zero da pandemia e 2021, falava-se todos os dias de saúde mental, tendo em conta o impacto do confinamento. Daí para a frente ocorreu um decréscimo significativo, para em 2024 assistirmos a um renovar, o qual, crê o convidado, se deve a novos critérios de recrutamento e selecção nas empresas, que dão mais importância ao bem-estar pessoal.

Falando na qualidade de psiquiatra, Joaquim Gago frisou que falar mais sobre saúde mental pode ajudar a combater o estigma, e que o enfoque dos media tem ajudado nessa questão, por exemplo, ao apresentar testemunhos pessoais de quem lida com este tipo de problemáticas. O médico acrescentou que o impacto das notícias na mudança de comportamento ainda é pouco, e defendeu o desenvolvimento de competências nas escolas e empresas para lidar com esta problemática.

A psicóloga Maria Inês Galvão acredita que a pandemia levou as pessoas a olhar mais para dentro delas próprias, confrontando-se até com o que não lhes agrada, e que os mais jovens estão mais atentos às questões da saúde mental; em contrapartida, parece haver uma grande confusão na hora de identificar os problemas, potenciada pela quantidade de informação nas redes sociais e pela tendência de uma tentativa de auto-diagnóstico antes de procurar ajuda especializada (algo confirmado pelo Dr. Gago). Inês Galvão crê na mudança de paradigma no mundo profissional, porém, ainda existem áreas onde essa maior atenção ao bem estar do trabalhador é considerada secundária, com ênfase nos resultados em detrimento de um equilíbrio entre o desempenho profissional e a vida pessoal.

O painel de convidados concordou que existe a necessidade de jornalistas especializados na matéria, uma vez que existe falta de literacia sobre a temática, o que se vem a reflectir no público em geral. Filipe Pereira chegou a dizer que “a sociedade deixou de saber reservar tempo para pensar”, algo que abriu caminho para o papel das plataformas de Internet e redes sociais. Para o director da Carma, as redes sociais permitiram não só às pessoas serem produtores de conteúdos, mas também espectadores, que passaram a ter um escape para a vida diária. Outro aspecto é a proliferação de conteúdo por parte de pessoas que se auto-intitulam “coaches” ou “terapeutas”, o que pode levantar sérios problemas, tendo em conta que nem todos são confiáveis.
O Duas Linhas perguntou aos convidados, a propósito da abordagem feita pelos media aos problemas de saúde mental, o que estava correcto e o que havia para melhorar, tendo em conta a exigência premente de uma considerável velocidade na emissão de notícias. O Dr. Gago lembrou que existem vários manuais de boas práticas neste assunto à disposição dos jornalistas, com ênfase na linguagem correcta, na abordagem a situações sensíveis (como por exemplo a temática do suicídio) e defendeu a criação de núcleos de repórteres especializados na matéria, porque, do seu ponto de vista, é necessária uma fundamentação científica. A psicóloga Inês Galvão destacou que existe mais divulgação de histórias de superação na primeira pessoa o que ajuda a promover a esperança e a combater o estigma, mas acrescentou que falta melhorar a contextualização. Por sua vez, Filipe Pereira sublinhou a dupla natureza destas notícias. Por um lado, a validação dos factos aliada à confrontação de histórias e versões, por outro lado, os media como veículo de amplificação das mensagens. Frisou ainda a importância da independência das condições para que o jornalismo possa exercer a sua missão.
Sobre o Festival Mental
Iniciativa da psicóloga Ana Pinto Coelho e do jornalista especializado em tecnologia João Gata, o evento teve o seu ano zero em 2017 para ajudar a combater a iliteracia e o estigma que ainda hoje perduram na sociedade em torno da saúde mental. Trata-se de uma produção da Safe Space Portugal com uma clara aposta nas artes, por exemplo, música e cinema, mas também em debates e exposições.
O Festival apostou este ano na itinerância, escolhendo o concelho de Oeiras como ponto de partida. No âmbito do Dia Mundial da Saúde Mental, que se assinalou no passado dia 10, o M Talks sobre comunicação social e saúde mental foi precedido, no dia 11 de Outubro, pelo evento “My Story, My Song” com a participação de André Viamonte. No dia 12 pelas 18h, foi a vez da Mostra Internacional de Curtas Metragens, também no Auditório do Centro Cultural José de Castro.
