Na Ucrânia a Ortodoxia cristã encontra-se atualmente dividida entre a Igreja Ortodoxa Ucraniana autónoma (IOU-PM) sob a jurisdição do Patriarcado de Moscovo e a Igreja Ortodoxa Ucraniana autónoma (IOU) sob a jurisdição do patriarca de Constantinopla. Apesar de deserções, a IOU-PM ainda conta com cerca de 10.000 a 12.000 paróquias (cerca de 68% de todas as comunidades cristãs ortodoxas do país). Tem uma forte presença sobretudo em regiões do Leste e do Sul da Ucrânia. Por sua vez a IOU contava em 2023 com aproximadamente 7.000 a 8.000 paróquias.
O presidente Volodímir Zelenski que advoga uma «independência espiritual» total, para a Ucrânia, viu a sua vontade confirmada em lei pelo parlamento ucraniano que aprovou a proibição da Igreja Ortodoxa ligada ao Patriarcado de Moscovo (IOU-PM). A lei (de 21/08/2024) que proíbe atividades à IOU-PM contou com o voto de 265 dos 450 deputados do parlamento (39 a mais do que o mínimo necessário). As comunidades terão nove meses para romper com o Patriarcado de Moscovo da Igreja Ortodoxa da Rússia…
As duas igrejas são expressão e testemunho da divisão do povo ucraniano que devido aos interesses geopolíticos rivais entre a Rússia e os EUA-EU-NATO viu perturbado o seu crescimento orgânico e natural na qualidade de povo ucraniano, quer como Estado unitário quer como Estado federal.
Segundo a InfoCatólica “A ilegalização dos ortodoxos leais a Moscovo, que são a maioria dos ortodoxos ucranianos, poderia aprofundar o cisma ortodoxo ao ponto de o tornar praticamente irreversível. Seria o maior cisma no seio das Igrejas Ortodoxas desde a sua rutura com Roma.”
A Igreja Ortodoxa da Ucrânia (IOU) foi reconhecida como autocéfala pelo Patriarcado Ecuménico de Constantinopla em 2019, deixando de pertencer à jurisdição de Moscovo para passar à de Constantinopla. Deste modo se rompeu com séculos de união e supremacia do Patriarcado de Moscovo sobre o cristianismo ortodoxo na Ucrânia… Desde a sua criação em 2018, a IOU tem-se afirmado como igreja ortodoxa nacional (patriótica), especialmente nas áreas mais anti Rússia. Muitos ucranianos que anteriormente pertenciam à IOU-PM passarem para a IOU por razões nacionalistas e de identidade nacional.
As relações entre as duas principais igrejas ortodoxas na Ucrânia são tensas devido a questões de identidade nacional e de geopolítica. A Igreja Ortodoxa Ucraniana autónoma (IOU-PM) sob a jurisdição do Patriarcado de Moscovo tinha ficado ligada a Moscovo mesmo após a independência política da Ucrânia…
A lei ucraniana instrumentaliza a religião, pois a proibição da (IOU-PM) corresponde, de facto, a uma nacionalização da espiritualidade e ao mesmo tempo a um ataque à existência da minoria russa da Ucrânia e ao povo ucraniano que em geral quer continuar sob a jurisdição do patriarcado de Moscovo.
É um caso verdadeiramente embaraçoso e fatídico para todas as partes, o facto de a religião estar a ser mais uma vez a fazer parte de uma guerra na Europa. O sistema político ucraniano reprime sistematicamente a minoria russa na Ucrânia; primeiro, proibindo jornais em russo, partidos pro-rússia, depois criando uma Igreja Ortodoxa nacional e agora, por lei, proíbe a Igreja Ortodoxa (UOK) que está sob o Patriarcado de Moscovo.
Na Ucrânia, políticos nacionais e internacionais agem de forma sorrateira e enganadora do seu próprio povo e dos cidadãos europeus. A Ucrânia está transformada num cavalo troiano dos interesses geopolíticos da Rússia-USA-NATO…
A GUERRA ATEADA PELO FÓSFORO DA MENTE COMEÇA NO CORAÇÃO E TERMINA NELE
Junto aqui um episódio que me impressionou e merece registo, relatado pelo Bispo católico romano Pavlo Honcharuk, da diocese de Kharkiv-Zaporizhya, na Ucrânia.
“Fiquei particularmente comovido com uma experiência numa aldeia perto da fronte (da guerra): uma mulher morreu e queríamos enterrá-la, mas o padre ortodoxo local disse que era demasiado perigoso.
Eu fui lá de qualquer maneira. As pessoas de lá eram pró-Rússia, não queriam falar connosco e eram muito agressivas. O funeral realizou-se na cave, sem luz eléctrica. Eu distribuí velas. Havia cerca de 10 pessoas. Eles olharam para mim – eu olhei nos seus olhos vazios e fiquei arrepiado. Estava escuro e o ambiente era muito pesado. O cadáver estava ali, deitado. Antes de orar pela mulher morta, comecei a orar pelas pessoas que estavam na minha frente: ‘Querido Deus, por favor, entre no coração das pessoas aqui…’
Quando subimos, finalmente vi as pessoas à luz do dia, elas choraram. A mulher que tinha sido mais agressiva no início pediu-me para orar novamente. Eu perguntei-lhe por quê. Então ela disse: “Quando você orou, o meu coração ficou tão leve”. Eles repetiram as minhas palavras de oração. Deus tocou seus corações. A guerra acabou para essas pessoas. Porque a guerra começa no coração e termina aí.” – disse o Bispo.
Este é o primeiro artigo que relata com alguma objectividade a situação das Igrejas na Ucrânia. Até agora, tenho lido coisas mirabolantes como “Ucrânia proíbe ortodoxos” ou “Ucrânia persegue os cristãos”. Bom artigo!