Dez associações ambientalistas, ecologistas, divulgaram um manifesto conjunto, pela defesa dos territórios classificados Reserva Agrícola Nacional (RAN) e Reserva Ecológica Nacional (REN). Dizem que os empreiteiros de construção civil, em conluio com políticos de autarquias, partidos políticos e o próprio Governo, têm planos para construir nessas áreas protegidas.
No manifesto, os ambientalistas elencam uma série de preocupações sobre alegadas intenções de subverter a lei que protege os territórios RAN e REN, nomeadamente “repudiam as tentativas lançadas na opinião pública de criar na população a falsa ideia de que a crise da habitação se deve à existência de instrumentos de ordenamento do território que imponham restrições à construção”.
A Associação Evoluir Oeiras é uma das signatárias do manifesto e a vereadora Carla Castelo (eleita em Oeiras) é uma das ativistas desse movimento de cidadãos. E foi a ela que perguntámos:
– Quais são os casos que mais vos ofendem de utilização dos solos da Reserva Agrícola Nacional para construção civil?

Não se trata de uma ofensa. A construção em solos de Reserva Agrícola Nacional (RAN) consiste na prática na destruição desses solos e é uma situação que consideramos grave e lesiva do interesse público, porque o solo é um recurso natural não renovável à nossa escala e um bem público escasso, essencial para a infiltração e armazenamento de água e para a produção de alimentos. Mesmo quando estamos perante solos em RAN que não estão a ser cultivados, e por isso não estão a produzir alimentos, eles são uma reserva para o futuro: de segurança alimentar, recarga de aquíferos, e retenção de chuvas intensas, muito importante em contexto de alterações climáticas como o que vivemos, em que temos de lidar com a escassez e também com o excesso de água.
– Quando falam em intenções do Governo de facilitar a edificação em RAN, o que há em concreto que vos está a pôr em alerta?
O que nos alertou foi em primeiro lugar um artigo do jornal Expresso, que noticiava que o Governo pretendia facilitar construção em solos rústicos e reserva agrícola. Essa notícia não foi desmentida pelo Governo, pelo que continuamos alerta e preocupados com essa possibilidade, detendo o partido do Governo maioria absoluta no Parlamento.

Autarquias e construção civil têm sido ingredientes para a corrupção, com bastante frequência. A notícia do Expresso que Carla Castelo refere, alude às pressões que têm sido feitas por proprietários de terrenos agrícolas e empresas ligadas ao setor imobiliário no sentido da lei ser alterada de modo a facilitar a reclassificação desses terrenos e permitir que se construa neles.
– As ligações entre as empresas de construção civil e as autarquias são frequentemente notícia, quase sempre por casos de corrupção sob investigação ou em julgamento. O que está a falhar, no âmbito deste combate contra a corrupção?
Um dos problemas reconhecidos é a lentidão e falta de meios da justiça. Mas também, no ordenamento do território, a existência de exceções que agravam a desigualdade e permitem que quem tem poder económico e/ou influência junto dos decisores políticos possa fazer o que o comum cidadão não pode, com as declarações de imprescindível interesse nacional, por exemplo.
Carla Castelo diz que a resposta à falta de habitação, nomeadamente habitação social, não está nos territórios RAN e REN, que devem ser preservados. Para os ambientalistas, o problema está na especulação com preços de rendas de casa e de venda de casas. É certo que existem dezenas de milhar de casas fechadas, sem uso nem utilidade, muitas delas servem apenas como ativos financeiros, sem qualquer tipo de função social.
– Os preços das rendas e das casas estão muito inflacionados, por razões que estão identificadas, nomeadamente os benefícios fiscais a reformados estrangeiros e a nómadas digitais, os vistos Gold, no fundo, uma procura crescente por parte de entidades e pessoas com elevado poder de compra, e não porque os instrumentos de ordenamento do território, como a Reserva Agrícola Nacional ou a Reserva Ecológica Nacional, não permitem a construção em determinadas zonas também em defesa das populações.
No manifesto e na petição correspondente, os ambientalistas dizem que os territórios RAN são “recursos valiosos”, “são um recurso não renovável” e que, assim, têm de ser preservados, até porque são uma ferramenta “para a segurança alimentar”, como quem diz que tijolo e cimento não servem para comer.