DOS ROMANOS AOS SALOIOS DE CASCAIS, a memória

Está prevista para sexta-feira, 17, a partir das 17 horas, a inauguração do Centro de Interpretação do Espaço Rural de Cascais.

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Uma aspiração de há quatro décadas, pois logo que se iniciaram, em 1985, os trabalhos arqueológicos em Freiria, os responsáveis pela Associação Cultural de Cascais chamaram a atenção do Município para a necessidade de se adquirir aquele bonito casal saloio, ao tempo ainda em razoável estado de conservação, embora em vias de acentuada degradação.

O casal saloio antes das obras de recuperação

Era um daqueles exemplares típicos da arquitectura rural do concelho – telhado de telha portuguesa, dois pisos, com acesso ao de cima por escadaria exterior, largo pátio defronte… – que importava preservar, justamente a fim de se recordar que Cascais era litoral, sim, era turismo balnear, mas, até às décadas de 50 e 60 do século passado, as suas gentes também tinham vivido da agricultura, da exploração de pedra, da floricultura, da criação de gado. Uma ‘outra Cascais’ que importava não esquecer. E lá estavam, por exemplo, os moinhos de vento, para o lembrar, no topo de muitas colinas!

Nesse intuito de promover a reabilitação desses imóveis – e muitos há ainda que merecem e devem ser recuperados com a traça antiga! – galardoou a Associação Cultural de Cascais a Casa da Varanda, em Manique, com o Prémio de Conservação e Restauro de Arquitectura Popular, justamente porque o seu proprietário, Eugénio Carvalho, resistindo a todas as pressões, optou, em 1986, por manter a traça original da sua casa antiga (o chão desnivelado, o forno, as paredes nem sempre direitinhas…) quando pensara em a reabilitar.

Casa da Varanda, Manique

Um gesto que muito aplaudimos e, nessa mesma altura, também em Manique, nos regozijámos com a sensata reabilitação que o saudoso José Guedes fizera doutro casal no centro histórico da aldeia.

Gestos que consubstanciam o zelo pela tradição, pela memória, na convicção – certíssima! – que não é apenas a arquitectura urbana ou pomposa que nos caracteriza. Bem o demonstraram Guilherme Cardoso e João Pedro Cabral no livro Povoamento e Arquitectura Popular na Freguesia de Cascais, publicado em 2004; bem o soube relevar a Doutora Luísa Trindade quando publicou A casa corrente em Coimbra. Dos finais da Idade Média aos inícios da Época Moderna, (Câmara Municipal de Coimbra, 2002).

A villa romana de Freiria, com o seu celeiro e o lagar, mostrou à saciedade quanto os Romanos se haviam interessado pela agricultura no seu tempo. O Centro de Interpretação do Espaço Rural de Cascais vai permitir, pois, essa viagem por uma secular tradição, que importa não perder!

O projecto de arquitectura é do arquitecto Miguel Marcelino. Cederam peças para o espaço Armando Caracol e família, Guilherme Cardoso e os descendentes de Henrique José da Encarnação. O projecto museológico foi da responsabilidade do Departamento de Arquivos, Bibliotecas e Património Histórico, sob coordenação de João Miguel Henriques, Maria Conceição Santos e Severino Rodrigues. O design é de Sara Gonçalves e Pedro Gonçalves.

Muito nos regozijamos, portanto, por, ainda em nossa vida, nos ter sido possível ver concretizados esses dois sonhos: a abertura ao público da villa romana (que fica mesmo ali, aos pés do casal do Outeiro…) e a inauguração deste Centro por cuja concretização muito pugnámos! O nosso abraço de parabéns ao brioso e incansável pessoal do Departamento.

1 COMENTÁRIO

  1. O que vale a pena, parece custar a ser realizado! Em quatro décadas muita coisa pode acontecer… é demasiado tempo para uma decisão.
    Mas é sempre motivo para congratulações ver uma ideia antiga e justa ganhar forma. O labor das autarquias devia pautar-se SEMPRE por iniciativas parecidas, daquelas que, quando mudam o rosto aos imóveis (neste caso de arquitectura rural e simbólica) e aos lugares, os tornam mais luminosos e apetecíveis.
    Parabéns à Associação Cultural de Cascais e, neste particular, ao Município que aqui permitiu que se preservasse ou venha a preservar a memória.
    Belos texto e desfecho.

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