Uma aspiração de há quatro décadas, pois logo que se iniciaram, em 1985, os trabalhos arqueológicos em Freiria, os responsáveis pela Associação Cultural de Cascais chamaram a atenção do Município para a necessidade de se adquirir aquele bonito casal saloio, ao tempo ainda em razoável estado de conservação, embora em vias de acentuada degradação.
Era um daqueles exemplares típicos da arquitectura rural do concelho – telhado de telha portuguesa, dois pisos, com acesso ao de cima por escadaria exterior, largo pátio defronte… – que importava preservar, justamente a fim de se recordar que Cascais era litoral, sim, era turismo balnear, mas, até às décadas de 50 e 60 do século passado, as suas gentes também tinham vivido da agricultura, da exploração de pedra, da floricultura, da criação de gado. Uma ‘outra Cascais’ que importava não esquecer. E lá estavam, por exemplo, os moinhos de vento, para o lembrar, no topo de muitas colinas!
Nesse intuito de promover a reabilitação desses imóveis – e muitos há ainda que merecem e devem ser recuperados com a traça antiga! – galardoou a Associação Cultural de Cascais a Casa da Varanda, em Manique, com o Prémio de Conservação e Restauro de Arquitectura Popular, justamente porque o seu proprietário, Eugénio Carvalho, resistindo a todas as pressões, optou, em 1986, por manter a traça original da sua casa antiga (o chão desnivelado, o forno, as paredes nem sempre direitinhas…) quando pensara em a reabilitar.
Um gesto que muito aplaudimos e, nessa mesma altura, também em Manique, nos regozijámos com a sensata reabilitação que o saudoso José Guedes fizera doutro casal no centro histórico da aldeia.
Gestos que consubstanciam o zelo pela tradição, pela memória, na convicção – certíssima! – que não é apenas a arquitectura urbana ou pomposa que nos caracteriza. Bem o demonstraram Guilherme Cardoso e João Pedro Cabral no livro Povoamento e Arquitectura Popular na Freguesia de Cascais, publicado em 2004; bem o soube relevar a Doutora Luísa Trindade quando publicou A casa corrente em Coimbra. Dos finais da Idade Média aos inícios da Época Moderna, (Câmara Municipal de Coimbra, 2002).
A villa romana de Freiria, com o seu celeiro e o lagar, mostrou à saciedade quanto os Romanos se haviam interessado pela agricultura no seu tempo. O Centro de Interpretação do Espaço Rural de Cascais vai permitir, pois, essa viagem por uma secular tradição, que importa não perder!
O projecto de arquitectura é do arquitecto Miguel Marcelino. Cederam peças para o espaço Armando Caracol e família, Guilherme Cardoso e os descendentes de Henrique José da Encarnação. O projecto museológico foi da responsabilidade do Departamento de Arquivos, Bibliotecas e Património Histórico, sob coordenação de João Miguel Henriques, Maria Conceição Santos e Severino Rodrigues. O design é de Sara Gonçalves e Pedro Gonçalves.
Muito nos regozijamos, portanto, por, ainda em nossa vida, nos ter sido possível ver concretizados esses dois sonhos: a abertura ao público da villa romana (que fica mesmo ali, aos pés do casal do Outeiro…) e a inauguração deste Centro por cuja concretização muito pugnámos! O nosso abraço de parabéns ao brioso e incansável pessoal do Departamento.
O que vale a pena, parece custar a ser realizado! Em quatro décadas muita coisa pode acontecer… é demasiado tempo para uma decisão.
Mas é sempre motivo para congratulações ver uma ideia antiga e justa ganhar forma. O labor das autarquias devia pautar-se SEMPRE por iniciativas parecidas, daquelas que, quando mudam o rosto aos imóveis (neste caso de arquitectura rural e simbólica) e aos lugares, os tornam mais luminosos e apetecíveis.
Parabéns à Associação Cultural de Cascais e, neste particular, ao Município que aqui permitiu que se preservasse ou venha a preservar a memória.
Belos texto e desfecho.