Ontem, dia 22, fui visitar uma mina de prata, chumbo e zinco, no Cerro Rico, muito perto de Potosi, a mina da Candelária, na Bolívia.
A Candelária foi fundada pelos Espanhóis em 1545 e ainda funciona (477 anos de exploração e parece ter reservas para mais 100). E funciona em moldes pouco diferentes da época colonial.
Os grupos de turistas (equipados) entram com a mina a laborar. No meu caso éramos oito turistas, com dois guias (um para os que falavam espanhol e outro para os de língua inglesa).
As minas foram todas nacionalizadas em 1952 e depois concedidas a privados por 50 anos. Esta foi concedida à Sociedade Mineira da Bolívia e a concessão termina em 2025. Mas na prática quem faz o trabalho são cooperativas, com grupos de 10 a 100 homens. Em todo o Cerro Rico há cerca de 8 mil mineiros. Na Candelária é a Cooperativa Unificada que trabalha com cerca de 100 homens no total.
Os homens têm entre 13-14 anos e 40 e picos. Sim, leram bem, 13 anos. Ninguém me contou, eu vi. E essa é a primeira surpresa. Se és rapaz e não queres ir à escola, vais para as minas. Aos 40 anos ainda se é novo, mas a esperança de vida média de um mineiro aqui é de 45-50 anos. Quase todos contraem cancro do pulmão e morrem novos.
Estes mineiros trabalham em média 20 anos, para dar um futuro melhor aos filhos. Enviá-los para a escola. E geralmente conseguem. Um mineiro ganha cerca de o dobro do salário mínimo. Depois, os filhos não encontram trabalho na terra e emigram para a Argentina ou para o Chile.
Os homens fazem no mínimo 8 horas de trabalho, mas a maioria faz 10, 12 ou mesmo 14 horas. Param meia hora para almoçar, mas o almoço são folhas de coca! Não comem enquanto estão na mina. Vem cá fora beber e fumar.
Coca, tabaco e álcool também é o que oferecem à Senhora da Candelária e ao Tios, uma espécie de deuses subterrâneos que dão força e coragem aos mineiros.
No corredor de entrada está primeiro a Senhora da Candelária, 100 metros à frente o Tio Jorge. O guia Francisco fez as oferendas aos dois, pedindo proteção para os mineiros e também para nós.
A mina não está eletrificada e quando se apagam as lanternas é completamente escura. Todo o trabalho é manual. Os corredores são estreitos, pouco mais que a largura dos carros que andam pelos carris e quando se ouve o barulho dos carros que trazem o minério há que procurar uma reentrância, encostarmo-nos bem à parede e deixar passar.
A mina tem três níveis, é um labirinto de estreitas e baixas galerias. Fizemos cerca de 1km para cada lado, quase sempre dobrados ou mesmo de cócoras. Para passar de um nível para outro, há umas frágeis escadas de madeira. O calor é muito, as galeria baixíssimas.
Estes homens, e estas crianças, que aqui trabalham não tem salário garantido, nem seguro de saúde, nem segurança social. São pagos ao sábado, em função da quantidade e qualidade do minério que extraíram na semana. Cada grupo tira amostras e leva ao mercado, onde há mais de 30 laboratórios que em loucas horas analisam as amostras e dão os resultados. Eles próprios pagam o material, as analises, e alguns benefícios que façam na mina. São pagos em função dos dois melhores minérios, o 3º não é pago. Quanto mais e maior pureza de prata, mais recebem.
Uma percentagem, baixa – não me quiseram dizer quanto – do que as agências ganham com os tours que aqui trazem reverte para a cooperativa, que, se não for preciso gastar o dinheiro antes, no Natal compra brinquedos para os filhos e filhas dos mineiros.
As condições de trabalho são infra-humanas, em pleno séc. XXI. Não se percebe como não se revoltam. Não admira que ao sábado seja dia de grandes bebedeiras!
Neste dia, à tarde, fui visitar o Museu da Casa da Moeda de Potosi. Os Espanhóis cunhavam aqui moeda para toda a América Latina e funcionou para o Estado Boliviano até aos anos 50. Olhava para aquilo e só via os mineiros…
Um documento impressionante de miséria, exploração infantil e condições de vida degradantes, neste século XXI.
Trabalhar até 14 horas, enganando a fome com folhas de coca, sem garantias de ganho razoável nem qualquer segurança em caso de acidente ou doença, é uma perfeita indignidade para qualquer ser humano.
À mercê da sorte, ou a caminho da morte.
Grata à Vanda Narciso por este texto, sobre uma das faces duras da realidade.