Começa hoje o Mundial de Futebol do Qatar. Uns chamam-lhe da “Vergonha”. Outros dar-lhe-ão outros epítetos, com mais ou menos vernáculo, desaprovando a sua realização. O facto é que com maior ou menor contestação, ele se vai realizar debaixo de um coro de protestos, mais até nas redes sociais, onde a turba dos moralistas da nossa praça faz sentir a sua opinião, e, claro, algumas manifestações populares nas capitais do chamado mundo livre.
Critica-se o presidente da FIFA, o Infantino. O Macron, o Marcelo ou Costa. A seguir virão outros e levarão por tabela. Tudo por causa das suas presenças no Qatar. Acusam-nos de hipocrisia e de falta de vergonha. Enfim, um rol de argumentos que, tenham eles fundamento ou não, me deixam sempre com aquele sabor amargo na boca.
Mas afinal de quem é a culpa, pergunto eu?
Sim, eu gostava muito que este mundial fosse boicotado na sua plenitude, deixando aqueles tiranos do Qatar no limiar do desespero. Gostava de os ver a espumar pela boca. Mas de raiva. Gostava que o mundo livre providenciasse uma lição a essa cambada de ditadores que se acham donos das suas terras e dos seus povos, subtraindo-lhes o pão, a educação, mas acima de tudo a liberdade.
Mas quem estaria melhor posicionado para o fazer?
Claro, os jogadores. Sim, aqueles que fazem o espetáculo e dão o corpo ao manifesto. Sem eles não há competição. Sim, gostava de ver os jogadores da seleção da Alemanha, Inglaterra, França, Espanha, Portugal, Bélgica, Croácia, Dinamarca e Argentina, numa atitude sem precedentes, a demarcarem-se deste evento e a informar as suas Federações que não contassem com eles para essa tarefa. E as Federações pressionadas pelos seus melhores jogadores a fazerem o mesmo à FIFA. E a FIFA em desespero de causa a obrigar os tiranos a retratarem-se e a emendar a mão, ainda que nos muitos casos de vidas já perdidas, fosse tarde.
Imaginem as equipas dos países mais poderosos a faltar à chamada, por questões de natureza ética. Por solidariedade para com aquelas dezenas de milhar de trabalhadores que ali foram explorados ou mortos. Por aquelas mulheres que são uma espécie de propriedade física dos maridos. Sim, seria uma lição. Uma lição para todos nós, mas em especial para as nossa elites dirigentes. E bem precisam.
Gostaria de saber qual a reação do Sr. Infantino. Punha-se aos berros e a fazer ameaças? Gostaria de ver a reação do Sultão do Qatar e dos seus súbditos. Aumentavam o preço do petróleo? Não, não faziam em bom rigor nada. Barafustavam, esbracejavam, ameaçavam, mas no fim metiam a viola ao saco. Eles são medrosos. Só são fortes com os fracos.
Sim, era possível. Mas isso era se o Futebol ainda fosse um desporto, como os seus criadores imaginaram no século XIX, e não uma indústria de vaidades alimentada por alienados, onde cada um dos intervenientes no jogo pensa mais no dinheiro que pode ganhar neste evento, ou nas vantagens que a sua presença lhe pode trazer num futuro próximo. Aqueles que morreram e sofreram, ou estão debaixo do jugo daquele ditador, são um pormenor desconfortável que não pode atrapalhar as suas vidas.
Nós não vamos assistir a uma competição desportiva. Aquilo será mais um salão de mostra e venda de jogadores. E no final haverá um prémio para a marca vencedora.