Sim, havia que entregar aos dois filhos da artista, Nick e Victoria Willing, as insígnias do Grande-Colar da Ordem de Camões, postumamente atribuído a Paula Rego; mas havia outra intenção pelo meio. Daí as presenças, também, da Secretária de Estado da Cultura, Isabel Cordeiro, do Presidente da Câmara e do Presidente do Conselho de Administração da Fundação D. Luís I (sob cuja responsabilidade está a Casa das Histórias). Mas…

Porventura se não terá esquecido que, logo após a morte de Paula Rego, a 8 de Junho, começou a correr a notícia – vinda não se sabe exactamente donde (ou talvez se saiba e se prefira não dizer) – que a Câmara de Cascais ficara com um berço sem bebé! Ou seja, gastara dinheiro em mandar fazer a Casa das Histórias, disponibilizara para isso importante parcela de um terreno municipal, que era o Jardim da Parada, contíguo ao Museu do Mar, na presunção de que ali ficariam as obras da artista, se não todas, pelo menos, grande parte delas e agora, morrendo a artista, todo esse espólio ia ser dali retirado, sem tir-te nem guar-te, para Inglaterra!
Os cascalenses puseram as mãos à cabeça: querem lá ver que o espaço está amaldiçoado? Não for ali que se criara, em tempos, o Museu do Mar para albergar uma colecção que, numa noite, sem avisar ninguém nem deixar rasto, deu em debandada? Não podia ser!
Preferiram os responsáveis indagar bem dos contornos da notícia vinda a lume e apenas decidiram pôr o preto no branco, como se diz, no dia da inauguração.

Foi, pois, o próprio filho da artista que, depois de ter aludido às 23 exposições que estão já apalavradas nos mais variados museus, perorou:
«Mas para nós – como o foi para a Paula – este museu, a Casa das Histórias, é o mais importante. Foi por isso que quisemos mostrar o nosso apoio contínuo a este projeto com a doação das duas importantes obras que aqui vêem hoje: ‘Dia’ e ‘Noite’. E vamos manter a grande coleção da Paula, de forma a que o seu trabalho esteja sempre disponível para ser aqui mostrado. Vamos continuar a fazer a curadoria dessa coleção, comprando obras que ajudem a contar a sua história. Um exemplo disso são dois guaches fantásticos de 1975, que comprámos no mês passado e que fazem parte desta exposição».
Então, o que é que se passou? Foi tudo fumo sem fogo?
Não!
E foi ainda Nick Willing quem explicou:
– É verdade que, por causa do ‘Brexit’, da chatice do ‘Brexit’, não podemos manter obras aqui. Neste momento, as obras de arte que saem do Reino Unido por mais do que um ano têm de pagar um imposto de 5% do seu valor quando regressem. Por causa disso, as obras da Paula vão ter de viajar do Reino Unido para cada exposição. Mas o resultado final acaba por ser o mesmo: vamos continuar a poder montar duas exposições diferentes do trabalho da Paula todos os anos.
Adiantou que era também intenção da família gerir criteriosamente o enorme legado de sua mãe, criando para isso, em Londres, uma fundação «financiada pelas vendas ocasionais do trabalho da Paula», que terá como objectivos «manter e catalogar o seu arquivo, preparar o catálogo raisonné, supervisionar as exposições em museus, compilar um dossiê de imprensa internacional, e, claro, gerir a sua grande coleção de pinturas, desenhos e gravuras».
Fica o esclarecimento dado.
E a possibilidade, já, de ver, até 21 de Maio do próximo ano, as duas exposições, que Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de admirar durante duas horas! Kátia Guerreiro, amiga pessoal de Paula Rego, abrilhantou a cerimónia, interpretando, no auditório da Casa, três fados de Amália.

Fotos de Luís Bento (Câmara Municipal de Cascais)