O SENHOR MORTO no MUSEU DA MISERICÓRDIA

Seguramente um dos altares que mais chamará a atenção de quem visite a igreja da Misericórdia de Cascais, integrada de pleno direito no museu recentemente inaugurado. é o do Senhor Morto, pelo significado que detém para as gentes cascalenses.

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Uma procissão emocionante

Sei quanta polémica envolve os rituais, pelo perigo que acarretam de paulatinamente virem a ser despojados do significado inicial que lhes foi dado. Quando, em 1970, houve por bem acabar com as procissões em Cascais, sob pretexto de se haverem tornado meras manifestações ‘folclóricas’, ‘sociais’, desprovidas do seu conteúdo religioso, o Povo teve pena e reclamou.

Figurava entre elas a do Senhor dos Passos, que é de tradição também em muitas zonas do País, mormente em Braga. Intervinha a paróquia e a Misericórdia e é justamente nesse altar da igreja que está o ‘caixão’ do Senhor Morto, que, na altura, seguia em andor, acompanhado, miniaturalmente pelas imagens de Nossa Senhora das Dores e de Maria Madalena.

O arranjo ora dado a esse altar realça o seu esplendor e sentido significado.

Relacionadas com essa procissão estão as varas que os mesários da Misericórdia levavam como símbolo das suas funções e, de modo especial, como já aqui se referiu, o pano com o rosto ensanguentado de Cristo, que, segundo a tradição, assim ficara gravado quando uma das mulheres do Povo, que acompanhavam Cristo a caminho do Calvário, d’Ele se aproximou e lhe limpou o rosto, recebendo, em recompensa, a Sua imagem nele gravada.

Escolhia-se para representar Verónica uma das jovens da vila, de voz bem timbrada, que, nos momentos em que a procissão parava, entoava plangitivo cântico emocionante. O pano e um instantâneo fotográfico dessa cena  em1952 constam também do recheio do museu.

A frieza duma ficha técnica

Tem o museu a sua ficha técnica, como é de lei:

Propriedade: Santa Casa da Misericórdia de Cascais; Coordenação geral: Câmara Municipal de Cascais e Santa Casa da Misericórdia de Cascais; Projeto de arquitetura: Saraiva + Associados, Arquitetura e Urbanismo; Empreiteiro: Cofral; Fiscalização de obra e segurança: Cascais Próxima, SA; Acompanhamento arqueológico: Neoépica – Arqueologia e Património; Conservação e restauro: WOA – Way of Arts; Projeto museológico e design: Câmara Municipal de Cascais Saraiva + Associados, Concept Design; Produção e montagem:Multilem; Iluminação: Carlos Silva Lighting & 3D Designer; Tradução: Mark Harding; Fotografia:Carlos Sá.

Só um nome de pessoa, no final. Quanto ao resto, a frieza das designações oficiais. Se, no entanto, formos ao fundo da questão, verificar-se-á que o resultado só foi possível graças à extrema dedicação de uma equipa que soube trabalhar em conjunto. E se aqui se faz, agora, questão de o referir não é porque alguém o tenha sugerido, é porque uma obra assim (e, permita-se-me que o diga, com pleno conhecimento de causa), executada nos tempos previstos, merece todo o encómio, a endereçar todinho ao entusiasmo dos intervenientes.

Aliás, ainda que mui discretamente, vejam-se depoimentos publicados:

«Hoje foi um dia especial. Daqueles que não se reduzem a uma imagem. Dia de emoções, dia de realizações. Um projecto com alguns anos (talvez mesmo alguns séculos) de devolver a Cascais um espaço e um património que é da nossa comunidade. Pela minha parte o pequeno orgulho de pertencer a uma grande equipa e a um projeto fantástico» – escreveu Pedro Mota Soares, o mesário sobre cujos ombros incumbiu directamente a supervisão dos trabalhos.

«O Museu da Misericórdia de Cascais foi hoje inaugurado! É tempo de agradecer a todos os colegas que deram o seu melhor para que este pudesse ser um dia tão feliz. Segue, assim, o nosso muito obrigado à Santa Casa da Misericórdia pela confiança que depositou em nós e um abraço especialíssimo para a Célia Mateus, para a Sónia Sousa e para o José António Proença, com quem tive o privilégio de partilhar diariamente este desafio, sempre com o apoio de S. Gonçalo Leandro! Que equipa de luxo!» – escreveu o Doutor João Miguel Henriques, director do Departamento de Arquivos, Bibliotecas e Património Histórico da Câmara Municipal de Cascais.

Esclareça-se:

Célia Mateus, assessora da presidência da Câmara, foi o constante elo de ligação entre as entidades intervenientes; Sónia Sousa e José António Proença (que é agora o director do Museu da Presidência da República, na Cidadela) actuaram, como membros da Divisão de Arquivos e Património Histórico; o Gonçalo, que já tivemos o privilégio de aqui entrevistar a propósito do restauro das imagens e das pinturas, é aqui «santificado» pelo dinamismo sempre presente, como responsável pela Way of Arts.

Registe-se, por fim, que o espólio exposto e a documentação alusiva podem ser consultados aqui: . Por seu turno, o Arquivo Histórico Digital de Cascais contém, disponíveis para consulta, 7537 registos do arquivo da Santa Casa.

Não há, pois, motivos para não nos orgulharmos!

 

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