Diário da Revolta

Crónica integralmente publicada dia 25 de abril de 2022, no blog Novo Mundo (https://novomundoperfeito.blogspot.com) de Isabela Figueiredo.

0
1289

Fui ao Auchan às compras. Pensei que estivesse vazio à hora da manifestação. Engano. Não havia bananas. A alface está a 2 euros o quilo. A fruta e os legumes têm preços indizíveis. Tangerinas a 3 euros. Feijão verde, alho francês e courgette igual. A couve mais barata era a portuguesa, a 1, 89 o quilo. O óleo de girassol a 4 euros e o azeite a 6. Mas o nove é o algarismo predominante. É tudo a não sei quantas unidades de euro e noventa cêntimos ou 95, 96, 97, 98 ou 99 cêntimos. Poupariam tinta de impressão se mudassem para o um. O que poupassem em tinta devia dar para baixar o preço das alfaces. Eu não gosto muito de alface, mas alguém beneficiaria.

Algumas mulheres permaneciam paradas frente às prateleiras, olhando, como eu. Apenas olhando. Desejei falar com elas. Procurei alguém com quem desabafar sobre os preços, como as mulheres no tempo da primeira intervenção do FMI. Quis gritar sobre o custo de vida. Mas as pessoas estão caladas. Um casal fazia as contas ao que tinha dentro do carrinho. Quando os alcancei, diziam “já aqui estão quase cem euros”. Passei a vista de relance pelo interior. Estava bem vazio. Olhei para o meu. Eu tinha escolhido produtos de marca branca, porque hoje era o dia dos dez por cento de desconto. Mas é uma ilusão. No final deu uma poupança de dois euros, que é o preço de um abatanado e de uma sandes de queijo no café. Por baixo.

Não me lembro de os preços estarem tão altos. No tempo da Troika os ordenados estavam muito baixos e os preços subiam, mas não me lembro de ver um pacote de massa comum nem alface a 2 euros. É verdade que a nossa memória é sempre curta. Mesmo assim. No final saí com uma conta de 44 euros. Com medo dos 100 euros do carrinho dos outros, cortei em tudo. Não sei como é que se vive neste país.

As pessoas foram à Avenida da Liberdade tirar fotos com cravos para publicar nas redes sociais. Qual liberdade? A de não ter dinheiro para sair de casa, porque uma garrafa de gás custa 36 euros? Que liberdade é que se tem sem meios para comprar fruta e legumes frescos? As pessoas deviam era tirar fotos do interior dos carrinhos de compras e do recibo dos valores pagos. Depois logo viam se lhes sobrava vontade para cravos. Que estavam a 6 euros o molho. Os brancos. Vermelhos não havia. Devem tê-los comprado para tirar as fotos das redes sociais, que é onde mostram que vivem, que são felizes, importantes e interessantes.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui