330 mil crianças abusadas sexualmente em França, pelos padres da ICAR. A conclusão é o resultado da investigação de uma comissão independente e vem num relatório de 2500 páginas, uma autêntica enciclopédia do horror. O presidente desta espécie de task force de investigação aos pecados mortais, Jean-Marc Sauvé, diz que “no total, os abusos de menores por parte de membros da Igreja Católica representam 4% de toda a violência sexual praticada em França, se contarmos apenas com os membros do clero, e 6% se incluirmos os leigos”.
O documento identifica 3000 criminosos, dos quais dois terços são padres. Se uma grande parte dos crimes está prescrita ou diz respeito a pessoas que já morreram, há 22 crimes referidos que podem ainda ser punidos e cujos detalhes foram encaminhados para a Justiça.


A comissão foi montada na sequência do escândalo dos abusos sexuais praticados pelo padre Bernard Preynat, na cidade de Lyon.
O que fez o Papa
O Papa Francisco já antes tinha decidido que o crime de abuso sexual de menores passava a integrar o Código de Direito Canónico como “delito contra a vida, a dignidade e a liberdade do homem”. Foram precisos 2021 anos para a Igreja passar a condenar a pedofilia, mas também o abuso de adultos vulneráveis e a posse ou divulgação de pornografia, como crimes à luz da lei fundamental Católica.
Francisco tem sido um Papa de revoluções dentro da Igreja Católica. Muitos dos situacionistas devem odiá-lo. Quando visitou a Irlanda, por exemplo, o Papa reconheceu “o fracasso das autoridades eclesiásticas em lidar adequadamente com estes crimes”, que considerou serem “uma fonte de dor e vergonha para a comunidade católica”.
Na irlanda, desde 2002, vários relatórios e investigações revelaram mais de 15 mil casos de abuso sexual cometidos entre as décadas de 1960 e 90. Os abusos cometidos por membros do clero não são recentes. No entanto, as desculpas do Papa Francisco só chegaram em 2018.
E, ainda assim, foi preciso que em 2008 surgisse um livro acusatório, de autoria de Martin Ridge, “Breaking the Silence” (em português, “quebrando o silêncio”), onde se acusa a igreja católica de ter optado por não fazer nada para impedir décadas de abusos.
Em Portugal, o silêncio
Outras denúncias surgiram, entretanto, na Alemanha e Bélgica, onde há agora várias centenas de queixas sob investigação. Em Portugal, quase nada. Mesmo se levarmos em linha de conta a escala do país, percebe-se bem que ainda existe um véu de silêncio e de encobrimento sobre a atividade de padres pedófilos.
A Igreja Católica em Portugal não tem dados estatísticos sobre os abusos sexuais cometidos pelo clero no país O que existe são notícias publicadas pelos media, casos extremos que não foi possível ocultar e que foram investigados pelo Ministério Público e julgados em Tribunal.
A prática vigente é que quando surgem denúncias são as próprias dioceses a investigar os casos. Em 2019, um porta-voz dos bispos portugueses admitia que, em 20 anos, tinham sido investigadas cerca de dez denúncias de abusos, mas que mais de metade dos casos acabaram por não avançar, uma vez que a investigação prévia feita pelas dioceses não encontrou fundamentos para tal. E sobre os restantes, não foi capaz de explicar que consequências tiveram essas investigações internas da Igreja Católica.
Em Portugal, a capacidade para silenciar as vítimas continua a proteger os criminosos.
