Há 19 anos convenceram-nos que devíamos abdicar de uma série de direitos, liberdades e do sigilo pessoal em nome do combate ao terrorismo e da segurança da nossa civilização global.
O 11 de Setembro de 2001 foi uma tragédia dantesca, demasiado perfeita para ter sido possível ocorrer daquela forma. Mas a realidade por vezes supera a ficção e no caso das Torres Gémeas, um filme da Netflix com este enredo pareceria pouco verosímil.
Mas acabámos por aceitar mudar os nossos hábitos quando viajámos de avião, na partilha de informação, que sabemos ser feita pelo Estado a partir da pegada digital que deixamos por todo o lado. Desde os cartões de crédito, às vias verdes, às câmaras públicas de vigilância…tudo testemunha o que fazemos, o nosso estilo de vida, o nosso potencial de consumidores.
Os movimentos políticos radicais e os governos à esquerda convenceram-nos, mais uma vez, que a fuga fiscal deveria dar lugar a uma ditadura fiscal, aceite logo por gente ingénua que achava que os impostos arrecadados iriam ser postos ao serviço do Estado Social. Afinal, o Estado passou a cobrar o que devia e o que não devia, sem que o contribuinte pudesse em tempo útil e de forma célere poder defender-se.
Hoje o dinheiro dos impostos continua a ser consumido por um Estado gastador que se alimenta a si próprio, continuando a criar milhares de funcionários, muitos inúteis, outros competentes e mal pagos, porque nunca houve uma avaliação séria do papel do Estado e da sua estrutura. Mas o cidadão comum que trabalha, sustenta família e pouco pode protestar, aguenta. E até gosta. Desde que haja um Presidente-enterteiner.
Quem da geração de sessenta e setenta lutou pela liberdade, contra a ideia de família como suporte de um regime paternalista, que sabia ser útil pagar a dois trabalhadores o que um devia receber, pois despesas divididas por dois é mais fácil haver contenção salarial, nunca pôde contar com o seu rendimento unipessoal. Salvo os da classe média-alta.
Quando sonhávamos com uma sociedade social-democrata, à sueca, com carrinhas Volvo para levar os filhos à escola, ou onde cada um vive por si sem truques de coligação matrimonial, chegaram os movimentos gay a reivindicarem não o direito à liberdade, não o natural direito à diferença, mas sim o direito a terem como modelo a sociedade assente na família, sempre conservadora, querendo desenterrar essa instituição burguesa que é o casamento.
Com a crise das dívidas soberanas passámos a aceitar a austeridade, o corte nos rendimentos, o roubo nas pensões de quem tinha descontado uma vida, aceitámos que a sociedade ideal é afinal aquela em que se anda de bicicleta, se pagam impostos-multa por usar um veículo tradicional, que quem amealha deve ser punido, e que o bom investimento é aquele em que o Estado utiliza o nosso dinheiro para se autopromover e assim os poderes políticos instalados poderem ganhar eleições, aumentando sempre a despesa.
Já não temos um Estado. Temos um reality-show com chamadas de votos acrescentados. E também perdemos a ideia de Nação. Se for caso disso, vendemos a chineses o que é estratégico do ponto de vista da economia e até da segurança nacional.
Depois veio o covid, um fenómeno tão perfeito de enredo como outra série Netflix. O vírus surge na China, perto de um laboratório farmacêutico, espalha-se pelo Mundo, mas a China está agora livre do vírus, enquanto o Mundo informado morre de medo, das complicações que o vírus gera, sem que ninguém pergunte pelo milagre dos chineses. Eles que comem cães, talvez comam o vírus à sobremesa.
Estamos num tempo em que o Estado já percebeu que pode proibir sem critério, sem coerência. Quem regressa do trabalho tem de esperar 3 horas para passar a ponte? As televisões em direto explicam ao Bom Povo Português, que tem de ser obediente e seguir as ordens, mesmo inconstitucionais, do grande líder. Se a tecnologia tudo mudou nos últimos 20 anos, as ditaduras também passaram a ser exercidas de outra maneira. O que conta é o resultado. E este resultado nem precisa de prognóstico no fim do jogo.