No coração da revolução

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Perguntaram-me se, 46 anos depois, ainda há alguma revolução a fazer em Portugal. Não tenho dúvidas que, em termos de liberdade, Portugal é um país  livre. Não é à toa que aparece nos índices de países mais livres do mundo, tendo em conta a legislação social e de costumes, assim como o exercício da democracia enquanto escolha rotativa através das urnas.

Não direi o mesmo da nossa situação económica, sempre refém de abordagens políticas duvidosas, embora estejamos longe de subdesenvolvimento da época salazarista. E também não digo o mesmo em termos de mentalidade coletiva, apesar de haver liberdade de expressão consagrada na lei e sendo permitida descontraidamente na arena política.

A nível pessoal, então, gostaria de ver uma revolução a nível do nosso esquema mental enquanto cidadãos do século XXI. Desta forma, escolho três áreas que precisam de uma atualização massiva aos tempos que correm.

1- Menos cultura do favor e mais meritocracia

A começar de baixo, da base da pirâmide. Se continuarmos a querer ser beneficiados porque somos amigos, primos, filhos, cônjuges, e desempenharmos, à custa disso, trabalhos e cargos para os quais não temos competência vamos contribuir para que  se chegue dessa forma ao topo. Não adianta criticar o compadrio governativo, qualquer que seja, quando nós mesmos o fomentamos a partir de casa.

2- Mais conhecimento e empatia na questão das doenças ditas mentais

Somos um país onde ainda se julga a personalidade das pessoas conforme o especialista a que se vai, ou seja, continua-se a fazer tabu dos nossos problemas da mente e escondemos as nossas idas ao psiquiatra ou ao psicólogo com vergonha de nos considerarem doidos ou fracos. Não falamos abertamente dos nossos medos e dos nossos fantasmas, quando sabemos que somos um país de gente triste e ansiosa, tendo em conta as informações oficiais de venda de fármacos. Era altura de descontrairmos em relação a isso no sentido de se encarar este tipo de situações como uma questão de saúde como outra qualquer, com soluções e sem julgamentos ou pressão.

3- Maior civismo e uso de palavras boas

Na estrada, nas lojas, nos serviços, na rua, no local de trabalho, era bom incrementarmos o uso de bom dia, obrigado, desculpe, elogiarmos os outros e reconhecermos o seu valor, não termos medo da sombra sempre que alguém brilhe a mais num dia em particular. A nossa má educação quotidiana e a nossa inveja não são imans de boa fortuna, longe disso, e não podemos estar a ver reconhecidos talentos a partir de fora. Por vezes, somos mesmo uma má família, que não deixa voar os anseios individuais e que teme ser ofuscada ou esquecida pelo triunfo dos seus elementos. A crítica e o negativismo são muito notórios, aliados a piadinhas que magoam, palavras que deitam abaixo, vibrações que paralisam. As palavras e as emoções boas estão em total desuso e isso reflete-se no cansaço generalizado da população face ao seu trabalho e às suas relações, levando ao isolamento pré-covid e à solidão.

A revolução que falta fazer é a do coração. Parece romântico e pateta mas a aposta na transparência e no mérito, na bondade e na compreensão, assim como na tolerância e no civismo, é dos maiores investimentos humanos que se podem fazer. Requer vontade e muita coragem, mudança e adaptação, empatia e energia, educação transversal, uma panóplia de skills sociais que manifestamente em falta só contribui para o empobrecimento de uma sociedade enquanto conjunto de pessoas que, e havendo honestidade, deviam ser mais estimuladas e apreciadas nos tempos áridos que vamos vivendo.

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