Quando o coronavírus galgou a China, e alastrou pelo planeta, logo percebi que o mundo ocidental não tinha planos para combater uma peste há muito prevista.
Preocupado com a sua rápida expansão, também nunca hesitei em defender que, em prejuízo da economia a curto prazo, a Humanidade deveria privilegiar a defesa da vida humana: limitando os contágios que afogariam os sistemas de saúde e assim ganhar tempo para instalar
arsenais e testar novas armas e estratégias de combate a este terrível inimigo.
Em pleno séc. XXI estava, no entanto, longe de imaginar que o caos se iria instalar em Portugal, e no mundo, perante o eclipse da classe médica.
Ainda antes do confinamento já eu denunciava que era uma classe política impreparada, e dominada pelos interesses da indústria farmacêutica, quem estava a ditar regras desastrosas.
Naturalmente preocupado com evidentes falhas, erros e omissões, também nunca me cansei de apontar os rumos que a ciência e a sensatez recomendavam.
Defendi então que, sob um forte comando técnico, tal combate deveria centrar-se na rápida formação sanitária da população e da proteção civil, no confinamento físico e no uso obrigatório de máscaras.
Não falhei uma só previsão ou recomendação mas, com as atenções centradas na construção de hospitais de campanha, ao lado de hotéis desertos, e nos testes e ventiladores que nunca faltaram, ninguém me levou a sério!
País periférico e de hábitos reservados, Portugal teve, contudo, a “felicidade” de ficar para trás e, ao ver as barbas dos outros a arder, aviar “meias-receitas”. Medidas tardias e sem fio condutor, sobretudo evidenciadas nas áreas de maior risco, mas que ainda assim evitaram o temível pico e a rotura do SNS.
Hoje, no momento de pôr fim a um confinamento económica e socialmente insustentável, Portugal prepara-se para reabrir.
As variáveis são imensas e muito há que fazer, mas, fazendo bem e depressa, ainda podemos sonhar com a retoma. Visão talvez otimista, quando é certo que, até no Futebol, que a par da Saúde e do Turismo é dos setores que melhor funciona, o “pessoal” tarda em definir regras e se entender.
Face a esta primeira vaga, de que colhemos lições, estou convencido de que o pior já passou.
Os raios ultravioleta são o pior inimigo do covid-21, pelo que até acho um exagero todo o folclore atualmente montado em torno do regresso às praias, afinal estâncias a recomendar a todo o mundo.
Porém, mais do que nunca, Portugal precisa hoje de mudar de vida, sem margem para cometer mais erros nas esferas política, económica e social.
António Costa saiu reforçado desta crise, mas o caminho é estreito e a simples queda de Mário Centeno provocaria um terramoto político e económico de consequências inimagináveis.
Terá o Primeiro-Ministro consciência, força e determinação para tornar prioritária a libertação da Administração Pública das garras das tribos político-económicas dominantes e de, urgentemente, reforçar a governação com patriotas de reconhecido mérito, político, técnico e
científico?
Portugal inteiro vai enfrentar, nos próximos meses, um desafio gigantesco e, com a Europa “à solta”, nem sequer temos margem para acreditar nas prometidas ajudas financeiras. É uma “fonte” por demais seca, com:
- milhares de pequenos e médios agricultores e empresários em vias
de falência, porque os biliões de euros de fundos europeus, do Programa
20/20, foram desviados para outros fins; - indemnização a inúmeras vítimas dos incêndios, entretanto
trocada por fraudulentas aquisições e brinquedos caros; - milhares os lesados da banca, por ressarcir, envolvidos numa
tenebrosa telenovela de reguladores e de ladrões; - milhares de empresas que atravessam graves dificuldades porque
a Administração não cumpre prazos de pagamento; - milhões de salários e pensões, por atualizar;
- estragos do Leslie ainda por reparar…
E, sobretudo, porque ninguém vai preso!… Perante uma calamidade sem precedentes, será o Primeiro-Ministro capaz de retirar as lições de um passado recente, ganhar fôlego e vencer a
“tempestade perfeita” que sobre nós se abateu?
Ou será que, num “vira-o-disco-e-toca-o-mesmo”, vai continuar a acreditar que, com a velha aristocracia reinante, consegue relançar uma Nova República?
Quanto a mim, e até na sequência das convulsões de ontem, não restam dúvidas que ele precisa, mesmo, de mudar de vida…
(Cândido Ferreira é médico jubilado, escritor e filiado do PS)