Em 1996, o Sr. Necas partiu uma perna e ficou de baixa bastante tempo. Quando regressou ao trabalho foi para ‘pica-bilhetes’ e esteve no comboio da Expo em 98 e 99. Algures em 2001, trabalhou no elevador da Glória, de onde passou para a pré-reforma e reforma. Na prática, só depois de 2007 é que se desvinculou, de facto, da Carris, onde tinha sido delegado sindical. O Sr. Necas morreu em 2012.
E conto a história do Sr. Necas porque, em 2008 ou 2009, ele voltou a vir ver o piano. Numa longa conversa, explicou que a Carris queria passar para empresas externas a manutenção e revisão de eléctricos e elevadores. Ele estava contra: ‘é preciso conhecê-los muito bem. E amá-los.’ Esta conversa impressionou-me profundamente: como eu, o Sr. Necas era um apaixonado pelo seu trabalho. Aliás, ainda hoje, a filha é apaixonada por comboios e eléctricos.
‘Nada na Carris tem segredos para quem lá trabalha há tanto tempo’, dizia. E acrescentava que era preciso conhecer muito bem cada tábua e cada cabo dos eléctricos. ‘Só os mais velhos têm esse conhecimento, que vamos passando aos mais novos. Quem vem de fora não conhece as coisas como nós’. (Na prática, este é o problema que ocorre em todas as profissões: a falta de transmissão de saberes).
Só que, naquele dia, o Sr. Necas foi premonitório: ‘Um dia vai haver uma desgraça em Lisboa porque ninguém sabe ouvir as máquinas’.
Morreram 16 pessoas e 23 outras ficaram feridas, algumas com gravidade. Foi no dia 3 de Setembro de 2025. Não vou elaborar sobre as causas. Todos sabemos as consequências. Uma empresa externa não sabia de eléctricos e elevadores. Não tem funcionários que saibam ouvir a maquinaria. O desinvestimento na Carris é bem conhecido, como é sabido para onde foram quatro milhões de euros, necessários para a manutenção daqueles transportes. Tudo é sabido. Até é sabido que Anacoreta Correia quer substituir-se nas responsabilidades a Carlos Moedas, o responsável máximo da autarquia, que anda escondido entre o primeiro-ministro e o Presidente da República. Bastou ver a missa na Igreja de S. Domingos e a ‘romagem’ para deporem flores no local do acidente. Moedas sempre no meio dos seus ‘padrinhos’ que querem dar protecção a quem deixou tudo chegar a este estado de sítio.

Estão preocupados com o turismo? E que tal preocuparem-se com os trabalhadores que morreram, com as pessoas que usam aqueles transportes diariamente. Preocuparem-se com quem vive em Lisboa.
Puseram os autocarros de luto (Algés Luto, Benfica Luto, a título de exemplo), batem com a mão no peito, mas não assumem as responsabilidades. É o cinismo à solta. Lisboa está à deriva no meio do lixo. A cidade nem é de quem cá vive. Gastam-se milhões em obras desnecessárias (vide as ciclovias, os parques infantis, os parques de estacionamento…) e ninguém é responsabilizado…
Não tarda, vai ser também um risco viajar na TAP, usar todas as empresas que são vendidas, esquecendo quem, de facto, sabe trabalhar com elas. E, a propósito, lembrei-me que, no início de Julho, desalfandeguei uma encomenda que, até agora, não me veio parar às mãos. E nem às minhas múltiplas reclamações respondem (pois, a tal IA não sabe o que dizer).
Tudo isto a propósito do acidente do elevador da Glória. Diz que vai ter um eléctrico novo e mais seguro. Não ponham pessoas da Carris a trabalhar nisso, aquelas que se queixavam da manutenção, os delegados sindicais de há muitos anos, a ouvir e o Sr. Necas continuará a ter razão: vai haver mais tragédias em Lisboa.
(NR: outros artigos da autora: Margarida Maria, autor em Duas Linhas)




Lá estou eu a estragar ou a trazer o outro lado.
Não, a culpa não é da externalização da manutenção. Sim, a externalização é uma aberração, mas não é a razão de tudo isto. A isto chama-se vigarice, incompetência, irresponsabilidade e até crime. Não é a experiência que dá a segurança dos equipamentos, é o conhecimento. É um absurdo dizer-se, não é este o caso, que estes equipamentos antigos já não há que saiba tratar deles. É mesmo absurdo, quando o elevador nasceu não havia forma, por exemplo, de saber o que se passava dentro de um cabo de aço. Hoje conseguimos ver tudo por mais escondido que esteja. Tudo o que “mexe” naquele elevador, baseia-se não na física quântica, mas na mais elementar fisica tradicional. A máquina tem mais de cem anos! Eu, mm não sendo engenheiro mecânico, entendo perfeitamente todo o seu mecanismo. Sim, os técnicos, não engenheiros que faziam a sua manutenção, tb a entendiam e mto melhor do que eu, mas sabiam, se calhar, como fazer upgrades para que o elevador respeitasse as exigências de segurança actuais. Se calhar, tb não seriam capazes de saber até que ponto o aumento da frequência de utilização do elevador, seria suportável pelo mesmo sem uma actualização e que tipo de actualização.
O que aconteceu com a empresa de manutenção foi apenas irresponsabilidade, talvez falta de conhecimento e, quase de certeza, atitudes passiveis de serem consideradas crimes.
Tb o argumento de que a manutenção era demasiado barata, não colhe, mas fou referida à exaustão! Houve até comparações com a manutenção que fazemos aos nossos automóveis nas oficinas. Disseram que se não estivermos dispostos a gastar dinheiro, não nos podemos queixar de a manutenção não ser bem feita! Um absurdo e houve até um conhecido engenheiro que teve o desplante de o afirmar. Não, se eu fôr a uma oficina para reparar os travões do meu automóvel e a oficina orçamentar a reparação abaixo do preço e, em consequência, não deixar os travões a funcionar como é expectável que funcionem, a culpa é da oficina. Se a oficina não reparar como é suposto, tem a obrigação de informar o cliente de que os travões não vão funcionar em condições. Terá sido usso que aconteceu? A empresa infoy a Carris de que o elevador após a sua manutenção, continuava sem qualquer segurança? Não, de certeza que não informou, se tivesse, já o tinha vindo dizer.
Mas há mais, há o silêncio cumplice de todos os que sabiam do estado em que aquilo estava. Foi o elevador, foi o desmoronamento da estrada em Borba, foi a queda da ponte de Entre os Rios. É sempre a mesma coisa, um ou outro alerta e todos os outros se calam! Não há-de acontecer nada, dizem! É sempre a mesma coisa, ninguém se sente um elemento com responsabilidades na sua comunidade. ” Eu não tenho nada a ver com isso”, ” isso não pertence ao meu departamento”, são aquelas frases estafadas que os gajos chatos como eu detestam! Sim, é a falta de consciência de responsabilidade social que todos temos, a causa destas desgraças que acontecem nesta desgraçada sociedade ue não entendo o que é uma sociedade e muito menos, o que é, oy deve ser, viver em comunidade/sociedade!