CRISTIANO RONALDO, TRISTE HERÓI

Na quarta-feira aconteceu algo raro: a seleção nacional de futebol sénior venceu a Alemanha. No futebol há uma espécie de dogma que diz "são 11 de cada lado e no fim ganha a Alemanha",mas não desta vez. Portugal fez um bom jogo, venceu bem. Mais do que isso foi Cristiano Ronaldo ter marcado mais um golo. O golo da vitória. É um herói nacional, sem dúvida. Pena que apenas seja verdadeiramente bom a jogar à bola e não se interesse em ser também um exemplo de humanismo, solidariedade, um homem político.

0
1424

Cristiano Ronaldo vai terminar uma enorme carreira profissional como jogador a lavar a imagem de um regime político abjeto, de gente a quem o colonialismo deu um reino com tronos em cima de poços de petróleo. Creio que Cristiano Ronaldo não precisaria de ter ido para a Arábia Saudita ganhar salários absurdos porque já era um homem muito rico. Mas parece que é verdade que para alguns o dinheiro nunca é suficiente.

Ao escolher terminar a carreira ao serviço de um regime autoritário como o da Arábia Saudita, Ronaldo opta por um caminho controverso.

É legítimo esperar que figuras públicas com tanta influência como Ronaldo, possam usar essa plataforma para algo mais do que promover marcas ou consolidar patrimónios. Podem e devem ser vozes pela dignidade humana, pela justiça social, pela democracia. Mas poucos sentem esse dever.

Talvez o mais triste seja isso: o talento imenso, a influência colossal, a idolatria universal, tudo colocado ao serviço de uma neutralidade calculada, que, em contextos como o da Arábia Saudita, se torna cumplicidade.

Há uma palavra para isto: venalidade. Mais do que dizer que Cristiano Ronaldo cometeu um erro ou fez uma escolha infeliz, é reconhecer que ele se integrou, de forma consciente, num sistema que gira em torno da submissão ao poder e ao dinheiro, mesmo que esse poder tenha como base a repressão, a desigualdade e a opressão de povos inteiros.

Na foto anterior, Cristiano Ronaldo está com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita. Nesta foto, publicada em dezembro de 2024, CR festeja a nomeação da Arábia Saudita para o campeonato mundial de 2034, projeto a que ele está associado como “cabeça de cartaz”.

Ao aceitar ser o rosto de um projeto desportivo-político como o da Arábia Saudita, Ronaldo não é apenas um atleta a terminar a carreira, é um símbolo instrumentalizado para limpar a imagem de um regime. O chamado “sportswashing” é exatamente isso: usar o desporto como maquilhagem para regimes que, na essência, negam tudo o que o espírito desportivo supostamente representa: igualdade, justiça, mérito, solidariedade, paz.

Além de Cristiano Ronaldo, muitos outros atletas, artistas e empresários alinham com regimes opacos quando há dinheiro suficiente em cima da mesa. Mas temos pena que Ronaldo não seja diferente. Ele que podia, com um simples gesto ou palavra, influenciar milhões para outro modo de estar na vida. Em vez disso, escolhe o silêncio e o luxo, mesmo que isso implique fechar os olhos a massacres, prisões arbitrárias, silenciamento de dissidentes e guerras injustas.

Não se pede que seja um político ou um ativista. Pede-se apenas humanidade e a coragem de não compactuar com o que é abjeto. No fim, Ronaldo ficará para a história como um jogador extraordinário. Mas ficará também como símbolo de uma era em que demasiadas vezes por dinheiro se vendeu a consciência.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui