A MINHA RUA DIREITA

Houve um tempo em que a Rua Direita, em Viseu, onde eu morava, já não era a minha rua. Já não era rua de ninguém.

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Rua Direita, Viseu

Nesse mítico espaço que, antigamente, ligava duas portas da cidade, a de S. José, a ocidente, e a dos Cavaleiros, a oriente, ferveu, intensamente, a vida da cidade, o miúdo comércio, que ganhara como montra a própria rua. Gente dos ofícios mecânicos como, houve tempo, se dizia, conezias da Sé. Fidalgos que ali alevantaram o Palacete dos Treixedos, gente que ergueu casas de sobrado com varandas de ferro, janelas manuelinas com boa lavra de pedreiros.

Ninguém sabe se, por debaixo da calçada, ainda há pedra romana, goda, moura, finalmente baptizada de cristã.

Quem sabe se por lá passou El-rei Rodrigo?!… Grão Vasco de certeza lá passou. E Gaspar Vaz, seu companheiro, que teve na cidade uma viela. E o Pintor Gata, que tantas vezes a subiu e que pintou, não sabemos bem o quê, para uma casa que ainda está lá numa esquina. E Augusto Hilário, essa alma de boémio e de fadista, que nasceu num quarto com janela para a rua. E Aquilino Ribeiro, que, durante uns tempos, morou ali ao pé.

Ainda conheci a Rua Direita de José Madeira, declamada por uns novos jograis, o impossível bulício popular das terças-feiras de mercado com mulheres de capucha e tamanquinhas de verniz. Ainda me sentei na oficina de Mestre Silvério, sapateiro, ouvindo-lhe as histórias. Ainda conheci Mestre Batalha a pintar. Pedi ementa antiga no Restaurante dito A Parreira e na Casa Congolesa. Comprei filhós e pão de S. Bento, velas e meninos de cera para figurarem numa exposição de ex-votos; rolhas de cortiça e limpa metais da marca Coração – onde, agora, espantado, vejo parar, para olhar, os estrangeiros.

Houve um tempo em que a Rua Direita, me pareceu, ia morrer. Amigos meus, me diziam, já nela tinham medo de passar e eu próprio achei que, pouco a pouco, se instalava nela uma ruina.

E, de repente, talvez possa dizer, vi que já não era bem assim. Vi gente que estendia as montras para a rua, outra vez. A calçada renovada. Um palácio transformado numa escola, um museu feito e outro quase a levantar-se. Padarias a vender filhós, pão de S. Bento, viriatos e tantas coisas mais. Vi turismo em movimento. E esse empenho transformador da Câmara Municipal. E me alegrei.

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