Quando folheei este livro senti uma estranha afinidade com a autora. Numa das últimas páginas, numa espécie de CV, vem escrito que Maria Hesse se tinha tornado ilustradora aos seis anos, embora ela não o soubesse, mas sabiam-no a professora e a mãe. Imaginei os cadernos e livros escolares cheios de bonecos, emporcalhados pela ímpeto artístico. No meu caso eram índios e cowboys que se matavam entre as linhas dos textos. No caso dela não sei, mas a vocação de Maria Hesse foi mais forte que a minha.
O Medo, da espanhola Maria Hesse, está na secção de Banda Desenhada, mas podia estar na Literatura Estrangeira ou na Poesia.
Lá dentro, nas 162 páginas, vem aquilo que faz a massa dos sobreviventes. Os que resistem ao bullying, os que não se afundam na solidão, os que não desistem perante o erro, os que enfrentam a repressão, os que vencem o medo de falar. O medo e a coragem de lutar apesar dele. As palavras que podem ser ao mesmo tempo malmequeres e murros.
Maria fala dela própria, da sua vida. Daquilo que ilumina e lhe faz sombra no olhar, das suas dores, das traições, dos ataques de ansiedade, das vertigens, dos calmantes e dos ansiolíticos. Do erro de continuar a fazer anos, passar de ter trinta e poucos a ter trinta e todos. Medo do tempo que passa e das suas consequências, medo de perder o juízo, de depender dos outros, de ser um estorvo. O medo da morte.
Medo de ter filhos e o medo de não os ter, uma vida prenhe de contradições – “e, contudo, ali estavam os dois tracinhos azuis”. O filho tardio que vai nascer e o medo do desconhecido: “como será o teu olhar? Como será o teu coração?”
Para descobrir é preciso viver.
Neste livro, a prosa e as ilustrações são de Maria Hesse. É muito raro encontrarmos na mesma pessoa estas duas vertentes artísticas. Os poemas são de outros autores (Lorena Álvarez, Adrienne Rich, Anne Sexton, Raymond Carver, Sylvia Plath, Piedad Bonnett, Lara Moreno, Tulsa).
