Há alguns períodos do ano em que uma boa parte dos portugueses regressa às suas origens, fazendo umas quantas incursões naquilo a que designamos por Portugal profundo. Um desses períodos é a Páscoa. Mas também o Natal e as férias de Verão.
Cumprindo-se este desígnio, lá vamos muitos de nós retemperar a nossa identidade original, não vá ela ficar desenxabida com o excesso de urbanismo e consumo das grandes cidades do litoral, onde passamos a maioria dos nossos dias.
Vilas e aldeias do interior, as quais são cada vez menos nossas, e mais dos nossos pais e defuntos avós, enchem-se de gente saudosa das suas tradições. Praças, largos e adros das Igrejas, sem esquecer os cafés e tabernas, amontoam-se de gente de todas as idades, com indumentárias de todo o género e gosto, prontos a ressuscitar tempos idos, em que essas terras eram habitadas por milhares de pessoas.
Terminadas as quadras festivas ou a época de veraneio, aquelas localidades voltam a ficar entregues a uma população envelhecida, cada vez em menor número, apesar do regresso de alguns emigrantes, na reforma. Estas aldeias parecem desaparecer por entre as ruinas de umas quantas casas abandonadas e umas portas entreabertas, como se fossem habitadas só por meia dúzia de animais domésticos e uns quantos vultos encurvados, vestidos de negro. Em especial no Inverno, que por ali é mais rigoroso.

Tudo isto é fruto dos movimentos migratórios internos e externos que se iniciaram nos anos cinquenta e sessenta do século passado, os quais se mantêm até hoje, ainda que com menos intensidade. Esses movimentos levaram em massa muitos dos jovens aí residentes, há época, ligados à actividade agrícola e ao contrabando, alguns deles analfabetos, para locais mais ou menos distantes, à procura de melhores condições de vida.
Esta nossa diáspora não está associada à queda de nenhum império, nem a qualquer invasão militar vinda de um país vizinho, e muito menos a uma perseguição religiosa. Está sim associada à forma como o poder político olha para o nosso território, fora dos grandes centros urbanos. Portugal é um espaço físico de baixo relevo, cuja distância do mar à sua fronteira interior é de pouco mais de 200 quilómetros.
Então, como é possível haver tantas assimetrias regionais, se o país é tão pequeno e estreito? Só pode ser por vontade própria de quem se senta na cadeira do poder, ou, pior ainda, por negligencia.
Com a entrada de Portugal na Comunidade Econômica Europeia em Junho de 1985, conseguimos obter daí, financiamento a fundo perdido para milhares de infraestruturas básicas nesses territórios do interior. Hoje a maioria dos concelhos do país dispõe de pelo menos, uma escola secundária onde podemos completar a escolaridade obrigatória até ao acesso ao ensino superior, dispõem de piscinas públicas, ginásios, terminais de transporte rodoviário, mercados municipais, auditórios e teatros, recolha de resíduos sólidos urbanos, limpeza das principais vias de comunicação, estações de tratamento de aguas residuais, enfim, uma variedade de instrumentos sanitários e culturais que ajudam a minimizar os impactos da interioridade. Mas isso não chega.
Enquanto não houver uma política discriminatória que favoreça os territórios do interior ao nível do investimento privado, de forma a tornar mais atractivo a implantação de industrias nestas regiões, é impossível reverter esta situação. O governo não pode limitar-se a dar umas benesses por uns quantos anos, para que as empresas se instalem nesses territórios.
O governo tem de dar muito mais. Deve começar por financiar um novo reordenamento fundiário, concentrando terrenos agrícolas e florestais com potencial de investimento, custos de energia mais baixos, instalação de redes de fibra óptica, com vista à optimização das novas tecnologias, estacões de tratamento de resíduos industriais, entre muitas outras externalidades, que façam balançar o barco para nascente.
Nenhuma empresa vai investir no interior, apenas a troco de umas benesses fiscais por meia dúzia de anos. A promoção dessas atividades industriais no interior, por parte do poder politico, deve começar por ter um alcance geracional e talvez, ao fim de vinte ou trinta anos se vejam resultados concretos. Até lá, podem esperar por um milagre que ele nunca acontecerá.