Conta-se que o Silva, entendeu certo dia aventurar-se por terras da China. Mas vá adivinhar o que pode acontecer, quando se sai de casa por inteira conta e risco…
Logo à chegada, de carrinho na primeira fila da passadeira de descarga, ao retirar a mala – pimba!… –, acertou em cheio no nariz de um fura-filas, que logo se meteu de permeio. Um incidente considerado de extrema gravidade que despoletou imediata e enérgica condenação de todos os presentes.
– Coitado do chinês… – Assim matutava o Silva, de orelhas murchas, ao galgar as escadas do hotel. – Mas que culpa tive eu?…
Ao confirmar a palavra “PUSH” chapada na porta giratória, estava longe de imaginar a nova aventura em que se ia meter. Do outro lado, alguém resolveu avançar em contramão e… pimba!!… Pois não é que voltou a atingir em cheio uma narigueta, por azar o apêndice nasal do chinesito do aeroporto?
E de nada lhe valeram sentidas propostas de armistício. Armada grande confusão, e perante a indignação geral, foi-lhe até difícil confirmar a reserva. Para depois seguir para uma bela e bem servida “janta”. Finalmente em descontração, e com o “inimigo” chinês longe da vista, foi então que decidiu avançar até à sala dos bilhares, onde depressa exibia técnicas que concitaram as atenções gerais.
Concentrado no jogo, a certa altura o Silva habilitou-se mesmo a uma jogada que exigia efeitos especiais. E eis senão quando, bem esticado, taco à frente e atrás – pimba!!!… –, deu em cheio em alguém que, na sua traseira, se colocara na mira.
Pela toada do escarcéu, percebeu que acertara em cheio no tal chinesinho que, agarrado pela terceira vez à massacrada penca, até dava pulos. Tomada conta da ocorrência, ainda não era meia noite e já o Silva era posto no olho da rua. Consciente dos seus direitos, ainda protestou. Sem êxito porque, em dia aziago, nem troco lhe deram. E só a custo, e depois de pagar uma pesada reparação à “vítima”, conseguiu que um chefão lhe entregasse uma nota explicativa, garatujada em escrita ilegível
Acabaria a noite numa espelunca manhosa, quase sem ferrar o olho. Refúgio onde, logo pela manhã, se travou de simpatias com um chinesinho sorridente que parecia ser dono daquilo. Uma boa oportunidade, pensou, para descortinar as razões das insólitas experiências por que passara. À confiança, nem percebeu que o outro todo se retorcia à medida que ia ouvindo as queixas, para explodir quando lhe facultou a “nota de culpa”. Minutos depois, de malas aviadas, era posto dali para fora.
Esgotada uma pipa de massa, e bloqueado pela agência que contratara, restou pedir ajuda ao consulado português. Uma opção acertada porque, recebido pelo cônsul local, em breve suspirava de alívio:
– Até que enfim, que estou entre a minha gente!… – Bendisse o pobre Silva que, pouco dado a diplomacias, nem se apercebeu que o semblante do outro se ia carregando à medida que desbobinava o filme. Até lhe exibir o papel. Aí, alto e pára a conversa, de imediato o outro lhe leu a sentença. Tinha de abandonar o país o mais cedo possível.
Recambiado, o Silva nem descansou enquanto não correu ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, a apresentar queixa.
– Olhem-me este caramelo. – Ainda ouviu alguém comentar de longe, ao retirar-se. – Mais um a querer mama.
E toma lá, ó Silva, que bem podes esperar, sentado, o resto da vida…
Em pulgas, socorreu-se então do amigo Sousa, que residia mesmo ao lado de uma loja de chineses com quem mantinha estreitas relações. Ardendo ambos em curiosidade, de pronto foram recebidos com rasgados sorrisos e vénias, que não deixavam dúvidas sobre a bondade daquela gente.
– Desta, é que fica tudo explicado! – Firmou-se o Silva, rendido ao cerimonial.
Leitura apressada porque, ainda mal principiara a descrição dos incidentes, e já o seu novo “amigo chinês” arregalava os olhos, atraindo as atenções dos restantes. E a “explicação” surgiu segundos depois, quando todo o “chinesame” se debruçou sobre o papel e os pôs, aos dois, no olho da rua. De escaldado, o Silva cuidou de guardar a mensagem no bolso, antes que a esfanicassem, enquanto o Sousa, de olhos em bico, nem sabia o que dizer:
– Deixa lá estes cabrões! Conheço um missionário que viveu em Macau. Vais lá e pedes para ele te ouvir, em confissão. É um tipo fora-de-série… um verdadeiro santo.
Pouco dado a religiões, o Silva até desconfiou, mas, depois do almoço, já era recebido por um velhinho de balandrau branco e longas barbas, que mais parecia uma reencarnação de Deus.
– Então, meu filho, porquê tanta urgência? – Assim maviosamente foi recebida aquela ovelha perdida. E a caminharem para o confessionário, por entre halos de luz e cânticos celestiais, que tudo aquilo lembrava o Paraíso, ainda ouviu: – Que grandes pecados devem atormentar a tua alma, para estares assim…
De consciência limpa, pelo menos naquelas bandas, o Silva tinha topado, por fim, com o tipo certo, convicção que ganhou à medida que desenrolava o seu drama.
– Coitado… Coitadito… – Repetia o “santo” do outro lado da cortina, em tom misericordioso, enquanto lhe explanava os “pecados”. Para, no fim, lhe dar a bênção: – Vai em paz e que o Senhor te acompanhe! Pobre de ti, que nem precisas de absolvição. És mais um crucificado, tal como Jesus Cristo. Deus tenha compaixão de ti.
Com “pregações” assim, qualquer um é “católico” e, de coração aliviado, o Silva sentiu-se ainda mais leve do que um anjo, enquanto o venerando padre o acompanhava, por cortesia, à saída. Faltava só satisfazer uma “pequena curiosidade”:
– Muito obrigado, Senhor Padre, nem imagina o peso que me tirou de cima. Mas, já agora, e sem querer abusar, não se importa de me traduzir o maldito papel?
– Claro que não. Se isso te ajuda, até tenho muito gosto…
E foi aí que o pobre Silva entrou, de novo, em choque. Revirados os bolsos, a papeleta que tão cuidadosamente guardara, havia-se sumido como por encanto.
– Ó sorte, que mais me pode acontecer no mundo?
E AGORA VAMOS AO QUE INTERESSA…
Ao longo da minha vida, interessado em Arqueologia, recolhi imensa informação, visitei inúmeros museus, exposições e lojas, passei por quase todos os “santuários” do planeta e até ouvi grandes peritos. E, naturalmente, recolhi uma razoável coleção de artefactos, centenas deles em complicados processos de doação a instituições públicas portuguesas.
As duas imagens foram encontradas numa gruta perto do Escoural, Évora, provavelmente ainda no século XIX: o auroque está gravado numa estalactite com cerca de 30 cm e o mamute em calcite amarela translúcida. Terão muitos milhares de anos, dos tempos dos “toros” de Altamira e das gravuras do Foz-do-Côa
Alegadamente encontradas em território nacional, e “arte” que interessa preservar, estudar e classificar pela sua originalidade e beleza, alguns, após investigação e certificação, poderão até projetar a obscura arqueologia portuguesa para um lugar cimeiro. Nada que cause surpresa, dada a amálgama de civilizações que neste “jardim” se fundiu durante centenas de milénios. E também a qualidade e quantidade de peças que ainda não “emigraram” do território…
Todavia, apesar desta autêntica excursão à “China”, para que insistentemente tenho desafiado as lusas “autoridades”, ninguém, administrativo ou académico, mostra sequer interesse em desvendar enigmas e “construir ciência”. Posso mesmo afirmar que, a par de raros testemunhos de aplauso e admiração, que recebi, três “is” caraterizam o “chinês” que quase todos eles usam: isolamento, invisibilidade e até o insulto, numa língua aberrante sob o ponto de vista técnico, científico e ético.
Estas duas fíbulas foram encontradas em meados do século XX por um arqueólogo amador, no distrito de Vila Real, e pertencerão à civilização castreja, dita celtibera, imediatamente anterior à romanização. Surpreendem pela sua grande dimensão, formato e decoração elaborada, merecendo igualmente estudo e classificação por parte dos peritos.
E assim fui reunindo uma “coleção de hieróglifos” que, ao contrário do Silva, religiosamente preservo. Talvez daqui a cinquenta anos apareça algum “santo”, que possa esclarecer os portugueses das razões de tão abstrusos comportamentos…