Pormenores irritantes!

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Foi a gota de água que fez transbordar o copo – e pronto!

Na votação para um órgão directivo, o candidato a presidente fazia questão em ter um colega como vice-presidente; votou nele; perdeu a eleição por um voto!

Reza uma frase latina «de minimis non curat praetor», que é como quem diz: “o pretor (encarregado de julgar os pleitos, na antiga Roma) “não cuida dos pormenores”. A ideia não é a de considerar os pormenores desprezíveis, não: o que se pretende assinalar aqui é que ao detentor dum cargo de chefia não compete preocupar-se com pormenores de execução, pois para esses há adequados funcionários.

(E, já agora, assinale-se: não deve dizer-se “pequenos pormenores”, porque pormenor significa isso mesmo, ser pequeno).

É pequeno mas irrita muito, amiúde. Aquele grãozinho de areia a desafinar a engrenagem…

Numa Câmara Municipal, por exemplo, os pormenores de execução deixam-se aos técnicos. Para isso estudaram, a ganhar competência. Mesmo nos pormenores. Ou melhor, exactamente nos pormenores.

Está em cena no Mirita Casimiro “Charlotte”. Como seria diferente a encenação e a representação se os pormenores – do guarda-roupa, do cenário, da música, da luz… – fossem deixados ao a acaso?!

Sim, ao pretor não compete olhar para os pormenores, tem mais que fazer. Certo é, porém, que, de vez em quando, lá vem quem traz o pormenor à luz da ribalta e é o cabo dos trabalhos! Pensaria o sr. Boris Johnson que iam embicar com as festas que os seus diligentes assessores organizaram no n° 10 da Down Street? Não pensou. Era um pormenor. Uma festa de amigos, para espairecer quando se tem pelos ombros responsabilidades tamanhas! Errou.

A árvore centenária

Aquela árvore secular classificada precisava de ser devidamente identificada para quem lhe passa ao pé do lado de fora do muro? Não está. Um pormenor! E deste valerá a pena falar.

Trata-se de uma árvore enorme que está no canto nordeste do Parque Marechal Carmona, a dar para a igreja matriz. Zona de passagem obrigatória para muitos forasteiros e de habitantes que adregam ir ver as exposições no Bairro dos Museus. Não há quem não pare a fim de admirar esse «ficus macrophylla» – assim é o seu nome científico. «Árvore da borracha», lhe chamamos nós. E admiramos a sua vastíssima envergadura e, no solo, a força das suas inúmeras raízes. Um potentado, dir-se-ia! Pois acontece que este espécime centenário, de 19 metros de altura, está classificado como «Árvore Monumental de Interesse Público», segundo consta no Diário da República nº 276, II Série, de 28.11.2006.

Os serviços camarários limparam-na em Novembro de 2015, a fim de se garantir maior solidez aos seus inúmeros ramos; contudo, houve um pedido que foi feito e que, até ao momento, pode ser o tal pormenor irritante difícil de ‘engolir’.

No texto camarário que anunciou essa intervenção, escreveu-se: «[…] e vai continuar a fazer parar quem ali passa para admirar a sua beleza». Admira a beleza, sim; mas… não perguntará também como se chama e não quererá saber algo mais sobre árvore tão imponente? Querer, quer; só que o painel está do lado de dentro do parque, voltado para dentro e só o lê quem entrar e der a volta até lá!

Solução? Muito simples: faz-se uma cópia do letreiro e põe-se do lado de cá! Simples, não é? Já foi sugerido há muitos muitos meses. Ainda não houve quem se disponibilizasse a dar cumprimento a esse pormenor… irritante!

A mata de dragoeiros

Aqueloutro painel de publicidade institucional impede a admiração do pequeno e bonito bosque de dragoeiros, já classificado também, à entrada do Parque Palmela e não se tira? Pormenor!

Paramos de novo para explicar melhor. Ou antes para reproduzirmos o que já aqui escrevemos na edição de 9 de Agosto de 2021 e que não teve eco nenhum, que se saiba:

Estamos a falar de uma pequena floresta de dragoeiros, classificada “de interesse público” pela Autoridade Nacional Florestal (Aviso n.º 5/2012, de 16 de Março). Pequena, sim, mas basto significativa, pois, ao que parece outra não há deste tamanho no nosso País. E o dragoeiro é árvore bem bonita, convenhamos; a sua floração, exuberante!

Escreveu-se que a Câmara Municipal tem menosprezado essa pequena floresta. Tem. E importa explicar porquê. É que existem ali dois painéis publicitários que impedem ao transeunte a visão plena desta beleza. Um é institucional, como se diz, ou seja, serve a publicidade da Câmara; outro foi concessionado.

Ora acontece que, entre as medidas de gestão, designadamente para melhor usufruto dessa mata de espécies únicas, foi proposta a retirada desses painéis.

Iniciou-se, por isso, a 21 de Março de 2017, nos serviços camarários, por pronta intervenção da Cascais Ambiente, o processo que propunha a retirada de, pelo menos, o painel institucional gerido pela Câmara. Esse processo seguiu todos os trâmites necessários em tais situações, sempre angariando pareceres favoráveis, tendo culminado com a proposta de concordância, por parte do Director do Departamento de Gestão Territorial, Luís Campos Guerra, datada de 12 de Julho de 2017. Houve ocasião, a 1 de Junho de 2020, de insistir na resolução do assunto (referência E-DCID/2020/8367).

Passaram, portanto, estes anos todos e… nada! Já na imprensa local se falou disso amiúde. Aliás, Vasco Manuel Almeida da Silva, do Centro de Ecologia Aplicada “Prof. Baeta Neves”, do Instituto Superior de Agronomia, publicara na revista Bouteloua, nº 21 (Junho de 2015), p. 123-133, o artigo «A mata de dragoeiros do Parque Palmela em Cascais (Portugal), contributos para a sua valorização».

Prossegue, a toda a velocidade, o arranjo urbanístico à entrada nascente da vila, justamente não muito longe da mata de dragoeiros. Será que, aproveitando a boleia, algo se poderá fazer em prol da mata?

Que pormenor irritante!

Os pormenores não-irritantes

Deixando esse mundo botânico em que Cascais também poderia ‘dar cartas’, embrenhemo-nos pelas maravilhas geológicas! Aí há também pormenores a observar; esses, no entanto, são de encanto e não de irritação. E assim convém terminar, em beleza!

Nunca deixo de mostrar a quem nos visita a caverna cada dia maior que o mar, lenta e inexoravelmente, vai abrindo a meio caminho entre o Forte de Oitavos e o farol do Cabo Raso. Para quem tem GPS, concretamente a  (mais ou menos) 38°42’17.0″N e a 9°28’47.5″W. A nossos pés, minúsculas pontes parecem milagre! Pormenores são, todavia, dignos de atenção. O efeito erosivo da água e das aragens. Qualquer dia, num ápice, vão desaparecer!

E, amigo leitor, permita-me outra sugestão.

De passeio pela orla de Cascais ao Guincho, entre na rua para os Oitavos, desvie à direita como quem vai para o hotel, mas pare logo aí a uns 20/30 metros e olhe para a sua esquerda. Verá as finíssimas lamelas de areia que formam a duna consolidada de Oitavos.

Uma beleza! Integrada no Parque Natural de Sintra-Cascais, a duna faz parte da Reserva Ecológica Nacional.

Concluíram os cientistas que a duna «terá sido formada durante o Estádio Isotópico 3, num “curto intervalo” compreendido entre 33 000 e 30 000 BP, provavelmente cerca de 32 000 BP, quando ocorreu, na área do Atlântico Norte, um evento climático de aquecimento (Grand Bois warm event), isto é, quando surgiram condições interestadiais propícias à formação de acumulações eólicas» desse tipo. As siglas BP significam «before present», ou seja, anos antes dos tempos actuais, uma grande velharia, portanto!

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