As obras da vergonha

Estamos em época de eleições e isso, infelizmente, é por demais evidente. Não é preciso estar muito atento, ver notícias ou gostar de política para sabermos quando estamos em época de autárquicas.

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As calçadas entram num reboliço entre pedras e pó para serem reparadas, as estradas são cortadas, inclusivamente, nas horas de maior tráfego para serem pavimentadas.
Nasce uma rotunda aqui, marca-se o pavimento ali, coloca-se nova sinalização acolá.

O país entra num alvoroço de máquinas e obras, a vida dos munícipes, fregueses e transeuntes transforma-se num caos.
Alguns negócios passam mal, com as ruas fechadas e os camiões de terra estacionados à porta. Ficam sem clientes e depois recebem uma miserável ajuda que não cobre um décimo dos prejuízos.
E estas obras, tão nobres quanto necessárias, começam a ser realizadas, sensivelmente, dois ou três meses antes das eleições, para que o povo (que como se sabe tem a memória curta) se lembre da cor do partido que tão grande progresso trouxe para a terra.

E assim é, por três motivos.
Porque os políticos não têm nenhum decoro, porque o povo vê (mas finge que não vê) e, também, porque a lei o permite.
É neste ponto que talvez valesse a pena refletirmos, acima de tudo porque será o único que podemos controlar.
Na verdade, retirar a ingenuidade às pessoas ou dotar os políticos de alguma vergonha, não me parece uma tarefa fácil.
É por isso que deveria ser proibida a realização de obras no último ano de mandato de qualquer autarca. E desta forma evitávamos duas coisas.
Que se iludissem as pessoas e que o autarca seguinte (quando assim acontece)  não inicie o seu mandato com os “cofres mais vazios” e para que este não possa passar os três anos seguintes queixando-se da falta de verbas que, como sempre, surgirão novamente nos três meses que antecedem as eleições.

Infelizmente esta cadência é uma autêntica pescadinha de rabo na boca. Cada candidato usufrui de três anos em que pouco ou nada faz e depois, milagrosamente, a três meses de terminar o mandato, aparecem os projetos, o dinheiro e a obra feita.
E o pior é que eles sabem qual é a realidade.
E a realidade é simples. Um número significativo de pessoas não veem o que se passa e as que sobram fazem pouco barulho e estão a borrifar-se para a questão em apreço.

Bem sabemos que partidos e políticos comem todos do mesmo tacho.
Por essa razão, jamais aprovariam uma lei que impedisse a realização de obras no último ano de mandato e, para que tal não sucedesse, arranjariam mil justificações em tempo recorde.
Então que assim seja, que assim continue a ser tudo como sempre foi.
Resta-me a esperança de que um dia, os políticos acordem numa qualquer manhã e sintam a vergonha de nesta vida, que é apenas uma, terem sido tão poucochinho.
Resta-me também a esperança de numa destas eleições, as pessoas, através do voto, mostrem aos abutres que quem manda é o Zé Povinho.

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