Os romeiros da Senhora da Lapa, esse místico Santuário desde há quinhentos anos pousado num resguardado desvão da Serra da Lapa, os romeiros que sobem à montanha têm por hábito primeiro atravessar a estreita quelha que rompe do coração do rochedo onde se encontra o altar da Senhora e desemboca, sobre o Norte, depois de atravessar esse estreito e metafórico caminho de Paraíso.

E logo reparam, enlevados, na rumorosa cenografia do Presépio, que se desdobra na funda abertura do rochedo e suspendem-se olhando, demorados, esse poético cenário de pastoral, que relembra as fantasiosas e inocentes figurações dos Natais inventados na Provença.
A Sagrada Família pousa, ao centro, sob o tecto colmado de um pouco extenso abrigo de gado, a que José terá dado um jeito, antes que tivesse chegado esse borborinho de pastores e de mulheres de Belém, que carregam cestinhos de ovos, frutas, guloseimas festivas e aves propícias para um caldo para a tão jovem mãe ainda assustada.
Maria aconchega ao peito o seu Menino, que os visitantes olham ainda de longe, esperando o gesto de José ou de Maria para que possam beijar os pezitos da criança.
Lá no alto, desdobra-se o muralhado de Belém, a cidade imaginal de onde Herodes acaba de despedir os Magos, que descem agora em tumultuosa cavalgada pela estrada real que os conduzirá a Belém.
Anjos cantam sobre as alturas, ao jeito de arautos de inusitada Boa-Nova, e a gente não sabe se as lavadeiras da fonte, se os aguadeiros, o almocreve que guia o macho carregado e se essa rapaziada que brinca na rua, os tocadores de sanfona também, ou a rusga de dançarinos perceberam a mensagem dos anjos que ecoou pelas quebradas. Pouco importa. À porta da gruta, são já multidão os pastores e os campónios das quintas de Belém.
Os Magos estão perto. Maria e José talvez já saibam. Alguém chegara, correndo, trazendo a nova das visitas reais. Retomarão depressa os caminhos de regresso, os Magos, e irão despedir-se na lonjura do deserto jurando estar juntos quando o Menino for Rei.
Que não será Rei, o Menino.
Ei-lo ao longe, no colo da mãe que monta a burrica que José conduz, emigrante sem terra, ao Egipto distante. José só conta esconder o Menino dos maus olhos de El-Rei. Valeu-lhes o homem que andava no campo a ceifar o pão. Quando voltar, José irá vê-lo e agradecer-lhe o favor. Que um dia há-de voltar!…

Enlevo de pastoral este meu Presépio de menino.



