DOMINGO DE RAMOS

– MEMÓRIAS DE INFÂNCIA

2
773

Era sempre festa o Domingo de Ramos na aldeia antiga, quando a aldeia tinha gente, muita gente, antes da debandada para França, para a Alemanha, para a Suíça em busca de pão, de capitais para construir uma casa, de uma vida de mais doce fruição. E por lá aconteceu, às vezes dolorosa, a conquista do pão, aconteceu fazer-se no saudoso chão natal a habitação, mas a habitação permanece vazia, no geral, mesmo em Domingo de Ramos e em toda essa bonita quadra pascal.

Nesse tempo de memória, o da infância, o meu Domingo de Ramos era festa como o Domingo de Ramos dessa gente.

Tempo antes, eu e os demais rapazes da aldeia, ao sair da Escola, íamos pela margem da aldeia onde houvesse pinheiral com pinheiros novos fáceis de cortar, acto permitido por uma lei antiga.

Carregávamo-los, cada um o seu, para junto da morada, limpávamo-los da casca, prendíamos-lhes ao toro os pequenos ramos, como arqueados braços, limávamos tudo com um vidro quebrado de garrafa ou de janela para amaciar e deixávamo-los ao sol, sobre telhados, uns dias, a secar.

Depois, ao aproximar da festa, iamos em bando à busca de flores silvestres, malmequeres e outras que chamávamos campainhas e ornamentávamos o ramo que, no fim, tinha a graça de um andor.

Às vezes, nossa mãe pendurava neles duas laranjas, acrescentando-lhes a graça.

E, no Domingo, ao tocar do sino, carregávamos o ramo e lá íamos, ufanos, inclinávamos o ramo e entrávamos na igreja, briosos com aquela perfeição.

Depois, a gente saía com o ramo e acompanhava pelas ruas da aldeia, passos lentos como o canto, a costumada procissão.

Aconteceu comigo, uma vez, logo aos sete anos talvez, que, ao baixar o ramo, ao sair da igreja, um rapaz mais velho, que não levara ramo, me roubou, atrevido, as duas laranjas do ramo.

Com o tempo perdoei a ofensa do rapaz. Vive ainda na aldeia. E, às vezes, lhe lembro o seu pecado e a história que contei.

Ainda há Domingo de Ramos, na aldeia. Na igreja, ainda cheira ao alecrim que as mulheres levam preso com um ramo de oliveira. Já não há crianças. Já não há ramos de festa. Há cestinhas sobre a mesa com laranjas. Há saudade.

2 COMENTÁRIOS

  1. Nunca fui de ir à igreja e não tenho esse tipo de referências em criança. A primeira missa de domingo de ramos a que assisti foi em Bissau, nos anos 80, e achei que as folhas de palmeira eram essencialmente para fazer sombra na hora da procissão pelas ruas da cidade, debaixo de um sol tórrido. Lembro-me de uma outra missa de domingo de ramos em Bondo, no norte do Congo, sob o rito zairense que prolonga a cerimónia por umas 5 ou 6 horas… mas foi muito interessante ver os missionários brancos (Combonianos) a dançar ao ritmo do batuque à volta do altar.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui