As recentes declarações do Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, sobre a situação política na Guiné-Bissau constituem um episódio politicamente infeliz e diplomaticamente irresponsável. Num momento em que a região exige prudência, escuta ativa e mediação serena, optar por declarações públicas inflamadas equivale a lançar gasolina sobre o fogo, quando o dever de um estadista deveria ser o de contribuir para a contenção da crise e a promoção do diálogo.
A gravidade destas declarações não reside apenas no seu conteúdo, mas sobretudo no contexto em que foram produzidas. Moçambique enfrenta, ele próprio, desafios profundos de natureza política, social e securitária. Esperava-se, por isso, maior sensibilidade, moderação e respeito pela complexidade da realidade guineense. O que se seguiu — uma vaga de condenações apressadas — expôs um problema ainda mais sério: a precipitação política da CPLP.
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa posicionou-se sem cumprir um princípio elementar da diplomacia multilateral: avaliar antes de julgar. Não foi enviada qualquer missão independente de averiguação ao terreno, não houve escuta institucional do Estado guineense, nem esforço visível de compreensão das causas profundas que conduziram ao atual quadro político. Em vez de diálogo, optou-se pela sentença sumária.
Este comportamento é tanto mais grave quanto a Guiné-Bissau não é um país recém-chegado à cena internacional, nem um Estado sem história. São 53 anos de independência, marcados por luta, resistência, erros, aprendizagens e sacrifícios. Ignorar este percurso é não compreender o país. Mais ainda: fazê-lo quando a Guiné-Bissau exerce a Presidência em Exercício da CPLP representa uma quebra clara das regras do jogo institucional.

A Presidência em Exercício não é um detalhe protocolar; é um pilar do funcionamento da Organização. Ao excluir a Guiné-Bissau de reuniões e decisões, a CPLP violou os seus próprios Estatutos, que consagram a igualdade soberana dos Estados membros, a participação plena e a concertação político-diplomática. Este desrespeito não atinge apenas Bissau — atinge a credibilidade da CPLP enquanto organização internacional.
Curiosamente, a CEDEAO, frequentemente acusada de rigidez, demonstrou na sua última Cimeira uma postura mais equilibrada. Embora tenha formulado reparos e preocupações legítimas, evitou condenações automáticas e manteve aberta a via do acompanhamento político e do diálogo. A comparação é inevitável e desfavorável à CPLP.
É neste contexto que deve ser lida a decisão do Governo da Guiné-Bissau de auto-suspender a sua participação nas atividades da CPLP, anunciada a 15 de dezembro de 2025 pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, Cooperação Internacional e das Comunidades. Trata-se de uma decisão soberana, politicamente firme e juridicamente fundamentada.
Ao invocar as reiteradas violações dos Estatutos, a ausência de transparência processual e o não reconhecimento da Guiné-Bissau na sua qualidade de Presidente em Exercício, o Estado guineense não rompe com a CPLP por capricho, mas por princípio. A suspensão é um gesto de dignidade institucional e um sinal claro de que a soberania não é negociável.
Este episódio revela uma contradição profunda da CPLP: proclama valores elevados — solidariedade, diálogo, respeito mútuo — mas falha na sua aplicação quando confrontada com crises políticas reais. Uma organização que não respeita os seus próprios mecanismos internos dificilmente pode exigir legitimidade aos seus membros.
A Guiné-Bissau não pede privilégios. Exige apenas o cumprimento rigoroso dos Estatutos e o respeito pela sua condição soberana. Até que isso aconteça, a suspensão da participação guineense é não apenas legítima, mas politicamente necessária.
A CPLP está, assim, perante uma escolha clara: corrigir o rumo, restaurar a legalidade interna e reafirmar a sua utilidade, ou continuar a perder relevância, credibilidade e autoridade moral no espaço lusófono.






