Ariela

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O meu mundo desabou numa tarde em fui chamado à consulta no Hospital da Universidade de Coimbra. Estávamos em 2011 e as perpectivas eram sombrias, ou transplante ou morte.

Escondi da família. Escondi dos amigos. Tentei esconder de mim próprio. A condição física deteriorou-se. Faltou a força e o ânimo. Embarquei no tratamento em modo automático, uma escolha sem opção, uma sentença no horizonte, os meus filhos sem pai eram o limite.

Os rituais permanecem, a perenidade enquanto modo de sobrevivência, o café na Praça da República, as lágrimas que me lavam a face sem me dar conta e uma menina que me pergunta se estou bem, se quero ajuda, o que é que pode fazer, se desejo que me acompanhe.

De profundis, acordo, o sotaque do lado de lá do Atlântico tantas vezes por mim criticado, uma mulher bela e uma voz de embalar, uma perdição instantânea, naqueles olhos existia a vida que se esvaía em mim. Como te chamas? Ariela.

Lembrei-me de Hemingway, Miller, senti o desejo, voltei a ter quinze anos e o sangue a afluir para o lugar morto. Aquela mulher jovem, num breve instante, deu côr ao meu mundo e uma razão para lutar. A beleza aqui tão perto.

Porque choras? E a história da minha vida resumida em meia hora, que devia acreditar, tinha que lutar. Lutar para quê? Porque devemos tentar sobreviver, nunca desistir, enquanto houver vida há esperança.

Eu estava completamente perdido. A juventude e a beleza, A Grande Beleza, do Paolo Sorrentino estava ali à minha frente. Não havia como negar, tinha sido conquistado por aquela menina bonita e gentil, uma ternura tropical invadiu o meu corpo, uma vontade de beber outra vez da fonte da juventude.

Anda comigo. Vem. Vais ficar bem. E fui. Como um adolescente sem controlo nos seus passos, na sua vontade, arrastado por aquela força da natureza, uma beleza imensa que se desnudou e me tocou, com as mãos, me acariciou e guiou a minha virilidade para dentro dela. Estive tão perto do Sol sem me queimar, explodiram anos de medo e solidão, uma imensa gratidão, um êxtase em quase sessenta anos de vida.

Por quem os sinos dobram, dos versos de John Donne que deram o título ao livro. Os meus sinos dobram por ti Ariela.

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