Ao frequentar alguns restaurantes à volta do Palácio de Queluz e percebendo a presença de cidadãos brasileiros que vieram ganhar a sua vida na restauração, em Portugal, lembrei-me de lhes fazer a seguinte pergunta: “Quantos Imperadores teve o Brasil?” Esperava que me respondessem prontamente “Dois, Dom Pedro I e Dom Pedro II!”. Porém, nunca obtive esta resposta! Todos me responderam com boa vontade, mas afirmaram que de História não sabiam nada! Indiquei o Palácio de Queluz, à nossa frente, e perguntei se sabiam que palácio era aquele. Uns sabiam, outros não. Nem um único sabia que foi ali que nasceu o Imperador Dom Pedro I do Brasil. Acharam tal facto curioso e quando lhes perguntei se sabiam onde este Imperador faleceu, também não sabiam. Expliquei que tal aconteceu 35 anos mais tarde, no mesmo palácio e na mesma cama. Perguntaram-me se deixou filhos. Sim! Ao todo, teve 35 filhos, dizem que foi muito mulherengo, por isso até podem ter sido mais!

Dom Pedro I nasceu em 12 de Outubro de 1798 e faleceu a 24 de Setembro de 1834. Era o 4º filho de Dom João VI de Portugal e da sua Rainha, Dona Carlota Joaquina, Infanta castelhana. Dom Pedro abdicou do trono imperial brasileiro em 1831 a favor do seu filho, Dom Pedro II, assumindo o trono de Portugal, como Rei Dom Pedro IV. Depois também abdicou a favor da sua filha, embora ainda muito criança, Dona Maria II de Portugal. Como entretanto o trono de Portugal fora usurpado por seu irmão, o Infante Dom Miguel, resolveu criar um exército de libertação de Portugal, nos Açores, onde se mantiveram fieis a Dona Maria II. Com este exército desembarcou perto do Porto, no Mindelo, em 1832. Os seus 7.500 homens entraram na história com o nome “Bravos do Mindelo”, porque deram luta valente ao exército de Dom Miguel I, de 84.000 homens. Dom Pedro confrontou todos sendo então apenas Duque de Bragança, lutando para recuperar o trono de Portugal para a sua filha, Dona Maria. Por incrível que pareça, Dom Pedro ganhou. A sua estadia de 12.978 dias neste planeta, escreveram a história para imensa gente e sítios tão distantes, desde a Colónia do Sacramento, no Rio da Prata, ao sul do Brasil, até Macau, às portas da China! Um homem valente sobre qualquer ponto de vista que merece ser relembrado.
Mas terá sido ele o primeiro a assumir-se como Imperador do Brasil? Será possível que seu pai Dom João VI também tenha sido Imperador do Brasil?
O IMPERADOR E REY
A ideia parece absurda; porém, existe prova de que Dom João VI assinou documentos na qualidade de Imperador do Brasil, como por exemplo, a carta existente no arquivo do Museu Luso-Alemão, em Belas, datada de 13 de Fevereiro de 1826, que começa com os seguintes termos: “Dom João por Graça de Deus Imperador do Brazil e Rey de Portugal e Algarves dá quem e dá lem mar, em África Senhor da Guiné, e da Conquista, Navegação, Comércio, da Etiópia, Arabia, Pérsia e da Índia. Como Grão-Mestre da Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Villa Viçosa. Faço saber, que tomando na Minha Real Consideração a fidelidade e Serviços de Dom Manuel de Portugal e Castro, do Meu Conselho Governador e Capitão-General da Ilha da Madeira, houve por bem fazer-lhe mercê de o nomear Comendador Honorário da referida Ordem…”
Termina assinando por sua própria mão da seguinte forma “O Imp, e Rey“, acompanhando com os 5 pontos que fazem habitualmente parte. Tudo isto vem acompanhado do respectivo selo branco de sua Majestade!

Um pouco mais abaixo, vem escrito, pelo secretário, a indicação, em resumo do que se trata neste importante documento:
“Carta porque Vossa Magestade Imperial, e Real, como Grão-Mestre da Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Villa Viçosa, há por bem fazer mercê a Dom Manuel de Portugal e Castro, de o Nomear Comendador Honorário da mesma Ordem….”.
E por baixo, em letra maior: “ Para Vossa Magestade Imperial, e Real Vêr “.
No verso, mostra numerosos registos, pagamento de selo e averbamentos, datados, até ao registo final na Chancelaria da Ordem de Nossa Senhora de Vila Viçosa, datado de 9 de Março de 1825, curiosamente um dia antes do falecimento do Imperador e Rei Dom João VI, em Lisboa, no Palácio da Bemposta. Após a sua morte, a Infanta Isabel Maria ficou como Regente Interina até ao regresso de Dom Pedro IV (Ex-Imperador Dom Pedro I do Brasil). Resumindo e concluindo, podemos verificar que o filho foi Imperador antes do pai.
A personagem referida neste documento régio, Dom Manuel de Portugal e Castro, mais tarde, teve ainda maior relevo na História do Mundo Português, tornando-se o 50º Vice-Rei da Índia portuguesa (1826 – 1835).
Dom Pedro I assumiu o título de Imperador do Brasil em 7 de Setembro de 1822. O definitivo reconhecimento da Independência do Brasil apenas se deu em Lisboa em 29 de Agosto de 1825.
Assim, poderíamos pensar que o Brasil teve 3 Imperadores. Porém, tal pode não ser correcto!
O IMPERADOR DO SUL DO BRASIL
Há cerca de 40 anos, fui contactado, em Cascais, pelo Presidente do Conselho Executivo Honorário da Antiga Colónia de Sacramento. Veio de Montevideu, no Uruguai, trazendo consigo um estojo com uma medalha especial, cunhada em prata, que, à primeira vista, parece um cruzado de prata de Dom Pedro, Príncipe Regente, do ano de 1680, mas na realidade foi cunhada em 1980. Era uma mera reprodução, se não quisermos falar de falsificação.

Após demorada e animada conversa entre ambos, decidiu oferecer-me este presente que trazia consigo por entender que em Portugal eu fora a pessoa com quem falou que tinha maiores conhecimentos sobre a Colónia de Sacramento.
Mostrei-lhe diversos mapas raros do Brasil com a indicação do Rio da Prata e da Colónia do Sacramento e mencionei as guerras que ali se deram, destacando o autoproclamado Imperador do Sul do Brasil, José Artigas (1774–1850). O Montevidense ficou perplexo com os meus conhecimentos acerca do que se tinha passado no seu berço natal há já tanto tempo! Isto porém é fácil de explicar. Um antepassado meu, militar luso-alemão, Daniel Pedro Müller, nascido em Oeiras (26-12-1785), falecido em 1841, autor do importante ”Mapa Chorographico da Província de São Paulo”, na qualidade de Brigadeiro, participou na Guerra movida pelo Império do Brasil contra Buenos Aires. Tomou Montevideu em 1817 ao militar rebelde José Artigas, ex-Governador da Província Oriental do Rio da Prata, formando, a Cisplatina, no Sul do Brasil junto ao Uruguai, Província do Reino Unido de Portugal, Brasil e os Algarves!


Após a saída de Dom João VI do Brasil e do “grito do Ipiranga” de Dom Pedro I, a Cisplatina, em 1825, declarou a sua Independência do Brasil, tornando-se o Estado do Uruguai, onde Artigas ainda hoje é venerado como herói e fundador da pátria. Nunca podendo agradar a todos, teve uma vida de luta incessante. Se a sua denominação como “Imperador do Brasil”, tem ou não razão de ser ou não, apenas daqui a muitos anos se verá.




