Nos últimos dias, assistimos a uma cena insólita no teatro político guineense: uma estranha explosão de alegria vinda “dos lados de lá”, algures entre a euforia improvisada e a tentativa desesperada de fabricar uma narrativa de triunfo. A imagem evocava, curiosamente, certas cerimónias tradicionais em que, na despedida dos mais idosos, as lágrimas dão lugar a gargalhadas e brincadeiras. Não se trata de desrespeito, mas de costume – uma celebração do fim de um ciclo de vida bem vivido.
Acontece que, no caso em apreço, o simbolismo não podia ser mais irónico: o PAIGC de hoje parecia celebrar não uma vitória, mas o seu próprio funeral político.
E esse funeral, tudo indica, tem organizador identificado: Domingos Simões Pereira, acompanhado da inevitável comitiva de oportunistas que transformaram o partido histórico num veículo pessoal de ambição ilimitada e resultados duvidosos.
A queda dos bastiões
A realidade eleitoral é implacável. Ao contrário do que sugerem os festejos eufóricos, o PAIGC não ganhou aquilo que proclama ter ganho. Os círculos eleitorais que outrora eram a alma do partido – alguns de Bissau, Bolama/Bijagós, Bigimita e outros – caíram um a um.
E, como esses bastiões, cairá também o próprio DSP, cujo maquiavelismo político já não impressiona ninguém.
O partido histórico – o verdadeiro PAIGC, o que libertou a Guiné-Bissau – está hoje sequestrado por uma liderança que confunde propaganda com poder e manipulação com legitimidade. Mas a História tem um princípio simples: o que perde raízes, perde força. E o PAIGC de DSP está a perder ambas.
A ironia da lei
Há ainda uma ironia adicional e profundamente reveladora. Existe uma lei, aprovada pelo governo do PAIGC, que impede qualquer partido de ter sede a menos de 500 metros das instituições da República.
Essa lei, se aplicada, significará a perda da sede histórica do partido – e com ela a simbologia que o mantém visível no imaginário nacional.
Domingos Simões Pereira poderá berrar vitória. Mas será forçado, pela lei que ele próprio patrocinou, a deslocar a sede do partido que diz defender.
A História gosta destas ironias.
A pressa de vencer antes do tempo
O desespero atingiu o auge quando, através de um porta-voz, o partido declarou que não haverá segunda volta nas eleições presidenciais. A afirmação, mais do que política, é emocional; é um grito de ansiedade.
A Comissão Nacional de Eleições dará o seu veredicto – e será esse, e apenas esse, que contará. As festas apressadas poderão então revelar-se pelo que são: uma encenação para encobrir a derrota.
Num momento em que o país enfrenta desafios complexos, a Guiné-Bissau não precisa de discursos inflamados nem de vitórias imaginárias. Precisa de responsabilidade, maturidade e serenidade. Aguardemos o pronunciamento da CNE. A verdade eleitoral não se fabrica; revela-se. E quando se revelar, talvez o PAIGC reencontre finalmente o seu caminho, livre do peso de ilusões, manipulações e lideranças que confundem o interesse pessoal com o interesse nacional.
*(nota da redação: autor é assessor do atual primeiro-ministro)



