Sabe-se que é comédia e que, por definição, de vez em quando, no decorrer do espectáculo, alguém virá à boca de cena a contar, explícita ou implicitamente, da razão por que a esses estratagemas se houve de lançar mão.
E, pelos dias anteriores à estreia, imagina-se encenador, ou seja, o responsável por fazer o enredo decorrer em determinado cenário. Pensá-lo-á à sua maneira, não lhe sendo obrigatório remontar à época em que a peça nasceu. Terá liberdade para lhe emprestar outra cronologia, mormente se o tema – como habitualmente acontece – é de todos os tempos. Além do espaço e do tempo, o vestuário, o guarda-roupa, a condizer com um e com outro. Na comédia haverá maior liberdade de ação.
Até à noite da estreia, a imaginação do futuro espectador deu cor, pensou movimentos, chegou mesmo a ‘ouvir’ os intérpretes nas cenas de maior realce.

Se a peça, porém, vai ser estreada no Mirita Casimiro, pela gente do Teatro Experimental de Cascais, desengane-se, amigo: por maior que seja a sua experiência teatral, quem teve a seu cuidado a dramaturgia, isto é, a necessária adaptação da versão original, trocou-lhe as linhas; quem gizou o cenário deixou-o, a si, a inimagináveis léguas de distância; quem desenhou os figurinos – esqueça! – jamais suspeitaria, como espectador, o que é que dali iria sair.
Já era assim com Carlos Avilez; foi assim agora com Cucha Carvalheiro; sempre foi assim e, mais uma vez, agora, com a exuberante fantasia de Fernando Alvarez no despido cenário relvado e na extravagância do guarda-roupa. Ficou-nos o bem colorido garridismo dos exuberantes trajes de inesperado recorte, a fazer fosquinhas aos mais originais costureiros em moda.
Das interpretações de actores antigos e novos escusamo-nos de repetir que deram o seu melhor. Flávia Gusmão, a protagonista, demonstrou bem quanto superou, largamente, as lições aprendidas na Escola Profissional de Teatro de Cascais. É uma estrela. Renato Godinho também. Todos!

Sim, as interpretações espantam-nos; mas se já estávamos habituados a que, de vez em quando, os lugares reservados aos espectadores não eram os expectáveis, desta feita, todo o espaço se alterou por completo, de forma a melhor se conseguir dar ao público a ilusão de ser mesmo interveniente, estar por dentro daquilo, porque, dum momento para o outro, o actor pode saltar de trás de si ou passear-se-lhe pela frente. Louvor maior para o desenho e operação de som, a cargo de Hugo Neves Reis. Parabéns!
Saímos consoladamente bem dispostos e até aceitámos o discurso final da Catarina (Flávia Gusmão), sabendo que nos quer inocular o contrário do que está a dizer.
Assinale que a estreia, no dia 13, em que se comemoraram os 60 anos de vida do Teatro Experimental de Cascais, teve a presença discreta de Marcelo Rebelo de Sousa. Francisco Kreye e Noel Rog Menezes, respectivamente, presidente e vogal da Junta de Freguesia Cascais Estoril, foram os únicos representantes presentes das entidades autárquicas. Esteve também Paulo Raimundo, mui discretamente, na assistência.
João Vasco, de fala angustiada, evocando Carlos Avilez e congratulando-se vivamente com o prestígio já alcançado por muitos dos seus antigos alunos, não deixou de alertar para a necessidade de se preservar o espólio do Teatro Experimental de Cascais e de se olhar com outros olhos para a Escola Profissional de Teatro.




