Quando a vida na cidade ou no aglomerado urbano acaba por se tornar difícil, não apenas pelo custo de vida, mas pelo bulício e pela ansiedade que o dia a dia sempre acarretam, é normal que a pessoa pense em se retirar para o campo.
Quem tiver ido para a cidade vindo da província, lá tem ainda a casa dos seus antepassados. Ser-lhe-á fácil esse regresso. Primeiro, através de um ou outro fim de semana; mais tarde, aquando da aposentação, acabará por a deslocação se tornar definitiva
É curioso verificar que essa tendência vem de todos os tempos. Assim, os escritores da época do imperador Augusto já o referiam, no século I da nossa era, chamando a atenção para a importância de viver no campo, o que chamavam uma «aurea mediocritas», ou seja, uma mediocridade de oiro, um viver com algum relaxamento, sem preocupações. E o campo servia justamente para isso.
Quando as dificuldades resultantes de crises várias surgiram no século III e, sobretudo, no século IV, os Romanos que viviam nas cidades e tinham posses refugiavam-se nas suas casas de campo, nas suas «villas», e aí procuravam viver dos rendimentos.
Ao tempo do século XVII, encontramos também essa tendência em Portugal, bem espelhada no livro de Francisco Rodrigues Lobo «A Corte na Aldeia», publicada em 1619.


Mas acontece (voltando ao século IV) que temos em Portugal algumas «villas» datadas dessa época que mostram a vontade de os seus proprietários bem receberem quem os visita. Poder-se-iam referir diversas delas. Cinjo-me, a título de exemplo, a duas situadas no Alentejo.
Uma está na Herdade da Torre de Palma, freguesia de Vaiamonte, concelho de Monforte, onde o proprietário, embeiçado pelo bom clima e pela uberdade das terras alentejanas, decidiu, no século IV, erguer a sua villa. Para se deliciar a ele e à família e aos convidados, quis atapetar a sua melhor sala com policromado mosaico em que resolveu mandar retratar os seus cavalos preferidos, com os respectivos nomes: Lenobatis, Ibero, Leneu, Pélops e Ínaco. Uma forma de imortalizar os companheiros que, eventualmente, o tinham ajudado nas fainas agrícolas e, sobretudo, nas corridas em que participou. São eles os antepassados do célebre cavalo lusitano. Mas também uma forma de mostrar a quem o visitava que tinha alguma riqueza.

Mais! Numa outra sala, quis que estivessem representadas as nove musas: Calíope (da eloquência e da poesia épica), Clio (a da história), Erato (da poesia lírica), Euterpe (da música), Melpómene (tragédia), Polímnia (hinos e oratória), Tália (comédia), Terpsícore (dança) e Urânia (astronomia).

E, por baixo, a recomendação aos servos: Scopra aspra tesselam ledere noli «Não estragues o mosaico com uma vassoura áspera». Para concluir: Uteri felix, «Sê feliz!». Enlevo, felicidade! Cultura!
Por outro lado, numa «villa», em Santa Vitória do Ameixial, concelho de Estremoz, a imagem gravada também em mosaico é completamente diversa: apresenta-se um senhor de tanga, brandindo um vassoiro (daqueles que se usavam para tratar dos fornos), em jeito de fustigar as costas de uma mulher nua. E a legenda diz: «Felicião, quando está irado, é pior do que um carroceiro». Para mostrar que há ali alguma autoridade e que se preza, antes de mais, o bem-estar dos convivas, porque essa ira teria sido provocada, muito provavelmente, por a serva não ter sabido manter a água do banho das termas em adequada temperatura. Retrato duma cena real, mas, mais verosimilmente, uma admoestação em ar de chalaça, uma forma de mostrar aos seus convidados que não tenham receio, a água está boa para o banho, antes da conversa ritual.

Duradouras e eloquentes manifestações, portanto, da arte de bem receber. A preocupação, gravada em mosaico policromado, de agradar aos convidados e de os levar a pensar que a vida ali era digna de ser vivida.



