A freguesia de Carapito, povoação de registos históricos de valia, sede de concelho antigo de que perde a titularidade com o advento do regime liberal, mais tarde transitando para o concelho de Aguiar da Beira a que hoje pertence, regista no painel da sua gastronomia local, como pergaminho de sublimada cor, um esquisito manjar que denomina “queijadas” e classifica de original no processo de saber-fazer, do feitio e do sabor.
Não se associam, todavia, as afamadas “queijadas de Carapito” ou “queijadas de S. Pedro”, a qualquer casa monástica e a sua pretensa antiguidade justifica-se na obrigatória presença das mesmas na familiar mesa da festa de S. Pedro de Verona anualmente celebrada com brilhantismo maior no dia 29 de Abril, suplantando a modesta celebração festiva da padroeira, Nossa Senhora da Purificação, ou Nossa Senhora das Candeias, no carinhoso dizer popular, a 2 de Fevereiro.

Os dois empenhados autores da mais recente monografia de Carapito que desconhecem os “fálgaros da Tabosa”, guloseima, ali, com sabor conventual, dizem únicas e de ancestral fabrico as “queijadas de Carapito” ou “queijadas de S. Pedro”, manjar não atribuível pelos mesmos a uma origem conventual e descrevem-nas, as “queijadas de S. Pedro”, como uma espécie de pão ou bolo de farinha, ovos e queijo fresco (de vaca ou de ovelha), aduzindo uma estreita ligação à comensalidade típica da festa de S. Pedro de Verona.

Tais queijadas encontram semelhança com os ditos “Fálgaros da Tabosa”, pequena povoação do concelho de Sernancelhe onde a tradição os integra, ano a ano, na festiva comensalidade das festas de Nossa Senhora das Candeias e S. Brás que ali têm lugar nos dias dois e três de Fevereiro de cada ano. Diversas vezes as nomeia Aquilino Ribeiro.
SEM RECEITA, É “A OLHO”
A confecção anual das queijadas traz como consequência a permanência de um acentuado carácter de experimentação no modo de fazer ancorado sempre na lição dos maiores, mãe ou avós, que guiaram os primeiros gestos das novas mestras, sempre reverentes. Daí que não exista qualquer receituário escrito, formalizando-se o mesmo a partir de uma inicial quantidade de farinha lançada numa bacia a que se acrescenta, mercê de cálculo empírico, uma certa quantidade de ovos, claras e gemas, a que outros mais ovos possam ser acrescentados à medida que se desenvolve o acto de amassar realizado após a prévia junção de queijo fresco que se misturou com a farinha.
Tarefa eminentemente feminina, a confecção das queijadas cumpre-se nos singulares actos de duas mulheres que a racionalizam fazendo competir a uma o acto de amassar, a outra os cuidados do forno, equacionando entre elas o desempenho de outras miúdas tarefas como o partir dos ovos, a verificação da temperatura do forno, o recorte de folhas de cartão ou a divisão da massa em pequenos módulos que se carregarão sobre as tais folhas no acto de enfornar.
No caso da concreta observação realizada e no quadro das tarefas cumpridas partiu-se da selecção de quatro quilos de farinha “Branca de neve”, quantidade adaptável à dimensão familiar do pequeno forno, da junção de um queijo fresco de ovelha com o peso de um quilo e o acrescento de cerca de quatro dezenas de ovos partidos à medida que se desenvolvia o acto de amassar realizado sempre e apenas com a mão direita.


Trinta minutos garantiram a adequação da massa de cujo tempero de sal a mestra actuante fez prova mediante quantidade recolhida com pequena colher, adequação testada pelo natural desprendimento da massa das mãos da mulher que amassava, tornando-se agora e de imediato disponível para o enfornamento.
O aquecimento do forno, num quadro de correcta gestão de tempo, deveria ter-se processado em simultâneo com o acto de amassar, não tendo, ao caso, acontecido, sem que adviesse qualquer problema para a concreta fornada que teve de esperar trinta minutos, processando-se, logo que a temperatura do forno se testou com o lançar de pequenas mãos-cheias de farinha que, incendiadas de começo, exigiram o passar de um trapo molhado em água fria no lastro do forno cujas paredes apresentavam a esperada cor esbranquiçada que se tornava prova do suficiente grau de aquecimento.
Transportada para o pequeno átrio do forno a bacia com a massa, fragmentos da mesma formatados ao jeito de pinha são agora colocados sobre fragmentos de papel ou cartão recortado que se pousam sobre a pá de ferro manuseada por uma das mulheres que os distribui pelo lastro do forno cuja limpeza previamente se realizou deixando o borralho amontoado à boca do forno.


A cozedura prolongou-se, no presente caso, por sessenta minutos durante os quais as mulheres iam verificando, através da porta entreaberta, a coloração das queijadas que se movimentaram com o redoiro para que o cartão em que assentavam não se queimasse em demasia.
Um último toque no lastro de uma das queijadas garantiria, mercê da sonoridade registada, o justo grau da cozedura e processava-se então o acto de desenfornar e a colocação das queijadas sobre o pano de linho de um tabuleiro que as recolhia.
As queijadas de S. Pedro como vulgarmente são designadas, confeccionadas no quadro do estricto ambiente familiar, são consumidas no âmbito de um mais alargado círculo de sociabilidade que envolve os membros directos da família e compreende também, dentro da quadra festiva de S. Pedro de Verona que aos costumeiros actos da vivência religiosa associa a anual realização de importante feira de gado, um universo de parentela, de compadrio e de relacional amizade com gente de aldeias da vizinhança com as quais se entreteceram relações de negócio ou de empática presença gerada, tantas vezes, pela alegre e ocasional convivialidade no terreiro da romaria ou da feira.







