A GRITAR POR MONSANTO

            Outrora a apelidaram de «a aldeia mais portuguesa». Uma forma de chamar a atenção para um tipicismo único. Hoje – como sempre, aliás – os adjectivos de nada valem, se não houver quem tenha vontade e força para, num grito, os revelar!

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Almocei em Monsanto em Abril de 2015. Naquele ambiente envolto de penhascos, que juram não cair sobre nós e, ao invés, nos presenteiam com a sua sombra. Há um gatinho ali, outro acolá. E a atenciosidade maior dos funcionários, que nos servem os apetecidos manjares beirões. Impera o silêncio. A vista alarga-se pela vasta campina raiana…

Visitei, então, Joaquim Fonseca, o grande dinamizador da Rádio Clube de Monsanto, que desde os prístinos tempos de Timor sempre se manteve radialista. Lamentou-se-me pela falta de colaboradores e de colaboração das entidades. Um trabalho insano, o seu, incompreendido. Estava disposto a vender a Rádio a quem lhe garantisse a continuação do seu projecto de lutar pela «vida» nesse remoto Portugal.

Há umas semanas, fui surpreendido com a fotografia de uma estranha aldeia toda iluminada em plena noite. Mancha de luz a fazer ressaltar o breu derredor. Era Monsanto! Mandara-ma o Joaquim.

De novo o contactei, porque, na verdade, eu também tentara, depois desse remoto Abril, falar com pessoas ligadas às rádios, no sentido de ‘arranjar’ interessado. Debalde. Nem vivalma mostrou interesse. Por isso, a imagem duma Monsanto, farol de luz nas trevas, levou-me a, de novo, «conversar» como Joaquim Fonseca, até porque não sabia se, afinal, a sua Rádio Clube Monsanto tivera comprador.

O que recebi foi um pranto. Aqui vai:

«Monsanto acolheu-me, muito fraternalmente, há já mais de meio século, e ainda hoje não sei como retribuir às mulheres e homens deste interior profundo, abandonado e despovoado… 

Desde 4 de Fevereiro de 2024 que vendi a Rádio Clube de Monsanto e em tão má hora o fiz que “entreguei a minha alma ao diabo”. Com 80 anos de idade, estou a viver amargurado, todos os dias do resto da minha pobre e triste vida. Ao fim de 38 anos de serviço e sacrifício, em prol do regionalismo, a música portuguesa e da divulgação, no país e no mundo, da marca Idanha – Cidade Criativa da Música, da UNESCO, não tive o apoio nem o empenho das entidades concelhias e locais, para poder entregar, em boas mãos, a emissora reconhecida com o estatuto de Instituição de Utilidade Pública, pelo então primeiro-ministro António Guterres.

Monsanto – que foi uma ALDEIA VIVA – hoje, dia 20 de Outubro de 2025, é um MUSEU DE RUÍNAS. Somos pouco mais de 70 habitantes, velhos e doentes, sem forças para caminhar… nem poder para reivindicar…».

Telhados a cair
Casas em ruínas

Como sói dizer-se, «dá Deus as nozes a quem não tem dentes»; Deus não é culpado, porque sempre esperou que os donos das nozes delas aproveitassem. Tal não aconteceu em Monsanto. A Rádio foi vendida por tuta e meia a um grupo que tem outras rádios e que só pretendia ficar com o alvará e a antena. Fomentar comunidade, objectivo maior da uma rádio local, não estava nos seus intentos. O recheio da Rádio, mormente a colecção de música portuguesa, não lhes interessou. Por seu turno, os membros do Executivo Municipal de Idanha-a-Nova navegavam em águas mais confortáveis. Tudo acabou por se dispersar. Daí, o compreensível lamento de Joaquim Fonseca.

Estúdios da Rádio Clube de Monsanto em 1990, com Joaquim Fonseca

Houve agora eleições autárquicas. Novas promessas se fizeram. Monsanto não terá sido esquecida nos programas eleitorais; há que reivindicar que não seja esquecida nos planos de actividade. E porque não sugerir a algum dos governantes que dê até lá uma saltada? Primeiro, para se aperceber de que não é ali ao virar da esquina; depois, para que, magneticamente seduzido por tão singular beleza, no regresso a Lisboa, meta ombros à campanha da reabilitação necessária. Monsanto da Beira merece ressuscitar!

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