As comparações surgiram de imediato: dos casos de fuga ao fisco aos acordos financeiros para silenciar acusações de má conduta sexual, há paralelismos que muitos não tardaram a apontar. É certo que ambos carregam sombras no currículo; mas, verdade seja dita, ao pé do historial de Trump, Cristiano Ronaldo quase passa por um escuteiro que foi apanhado a colar pastilhas debaixo da carteira.
Ronaldo sempre demonstrou um instinto pragmático – resolve as suas polémicas com cheques, evitando tribunais e a lotaria das decisões judiciais. Trump, pelo contrário, transforma controvérsia em método político. O homem que chegou à Casa Branca carregado com processos judiciais e suspeitas de falências fraudulentas, aliados duvidosos e uma proximidade histórica a figuras tão tóxicas quanto Jeffrey Epstein continua a ser, para muitos, a personificação de um poder que se alimenta do abuso, da agressividade e da manipulação. Não é preciso inventar crimes para perceber que a sombra que paira sobre Trump é feita de décadas de comportamentos que corroeram a vida pública americana.

É por isso que a declaração de amor de Cristiano Ronaldo se torna tão frustrante. Trump não é apenas um líder errático e perigoso. É um exemplo acabado de como a política pode ser sequestrada por um individualismo absoluto, por uma cultura de impunidade e por uma visão de poder que flerta abertamente com práticas autocráticas. O seu desprezo pelo sofrimento dos outros, a obsessão pelo dinheiro e a necessidade permanente de esmagar quem o confronta são traços que, há muito, deixaram de ser mera excentricidade para se tornarem uma ameaça real ao funcionamento democrático dos EUA.



E aqui chegamos ao ponto essencial: um ídolo global como Cristiano Ronaldo tem peso simbólico, a opinião dele conta mesmo quando fala de política de forma aparentemente inocente ou espontânea. O problema não está no direito que tem de admirar quem quiser; está no impacto de legitimar um líder que não merece ser normalizado. E quando ouvimos um “I love you, Trump” vindo de alguém com a influência planetária de CR7, muitos sentem que algo se quebra – uma expectativa, talvez ingénua, de que algumas figuras públicas percebam minimamente o alcance das suas palavras.
Cristiano Ronaldo não tem responsabilidade política. Trump tem e usa-a mal. É exatamente por isso que o comentário do futebolista sabe a desilusão. Não só porque gostariamos que CR7 fosse um exemplo moral e um farol democrático, mas porque é triste ver um herói desportivo oferecer carinho público a alguém que faz da prepotência, da mentira e do autoritarismo uma forma de governo.
Num mundo em que líderes perigosos se alimentam de adulação, cada “I love you” conta. E este contou demais. Vai uma aposta em como, neste momento, os assessores de Trump já estão a preparar um encontro com Cristiano Ronaldo?



