A primeira vez que visitei o meu irmão na prisão foi quando ele fez 21 anos. Vivemos longe do Estabelecimento Prisional para onde o enviaram. Entre os Açores e o continente há um oceano de dificuldades para atravessar, a primeira das quais os custos das viagens, as faltas ao trabalho, os velhos em casa que precisam de assistência permanente e já não conseguem viver sozinhos em segurança.
Durante quase um ano tinhamos falado com ele ao telefone, uma vez por semana, mais ou menos. Mas, agora, estavamos ali, frente a frente, numa sala com muitas outras pessoas, sentados sob o olhar vigilante dos guardas prisionais.
O meu irmão parecia diferente. O rosto estava desgastado, os olhos apagados. O cabelo estava mal penteado, desalinhado. A barba estava desarrumada, descuidada, como se ele não tivesse espelho para se ver.
Ali estávamos, tentávamos sorrir. Não havia bolo de aniversário. Era tudo muito triste. Estávamos a celebrar o seu 21º aniversário numa sala de visitas de uma prisão. O meu pai tinha um cartão de aniversário na mão, uma coisa dolorosamente deslocada numa prisão. Tinha sido uma má ideia, aquele cartão apenas acentuava a nossa dor por estarmos a viver aquela situação.
Havia mais gente na sala, umas cinco ou seis famílias, mas toda a gente falava baixinho, numa tentativa de preservar alguma intimidade. Ouvia-se por vezes uma risada abafada. Falavamos devagar. É difícil agir com descontração quando não estamos habituados à situação. Quando a verdade é assustadora. Hesitei em perguntar-lhe como estava, mas sabia que ele não estava bem, evidentemente. Ninguém pertencia àquele lugar.
Naquele momento, vi como as pessoas desaparecem durante o encarceramento – não de uma só vez, mas devagar, silenciosamente, por detrás das barras da cela, durante quase 24 horas de confinamento diário. As prisões conseguem desumanizar as pessoas, deixando apenas os restos do que alguém já foi. Deve ser muito difícil viver numa cadeia portuguesa. Não sabemos quando poderemos voltar a visitá-lo.



