As recentes decisões do Supremo Tribunal de Justiça da Guiné-Bissau, que afastaram o PAIGC e Domingos Simões Pereira das próximas eleições, suscitaram intensos comentários dentro e fora do país. Em Portugal, algumas vozes apressaram-se a transformar o caso num alegado exemplo de perseguição política – uma leitura simplista, que ignora o essencial: estamos perante um exercício normal de soberania judicial num Estado que procura consolidar o respeito pelas leis.
É necessário esclarecer: a Guiné-Bissau não vive um retrocesso democrático, mas um momento de afirmação institucional. O Supremo Tribunal de Justiça não atua por vontade política, mas por força do direito. A sua decisão deve ser interpretada à luz dos factos e não da emoção ou da amizade ideológica que certos sectores da imprensa e da intelectualidade lusófona mantêm com antigos dirigentes do PAIGC.
É, no mínimo, curioso ver o mesmo Domingos Simões Pereira – que durante meses recusou comparecer perante os tribunais, alegando possuir imunidade e colocando-se acima da lei – agora apelar aos jovens para que o acompanhem numa “romaria pacífica” ao Palácio da Justiça, exigindo decisões judiciais que ele próprio outrora desrespeitou. O respeito pelas instituições não pode ser um princípio de conveniência, aplicado apenas quando nos favorece. A coerência democrática mede-se pela forma como cada cidadão – sobretudo os que aspiram a liderar o país – se submete ao Estado de Direito em todos os momentos, e não apenas quando lhe é oportuno.
QUEM FINANCIA O PAIGC E O LÍDER DO PARTIDO
Infelizmente, parte da imprensa portuguesa e alguns analistas continuam a romantizar a figura de Simões Pereira, tratando-o como um mártir político. O que poucos dizem – talvez por desconhecimento, talvez por conveniência – é que a sua influência mediática tem sido sustentada por recursos financeiros externos, designadamente provenientes de redes ligadas ao MPLA, que durante anos financiaram a máquina partidária e comunicacional do PAIGC. Esse dinheiro foi usado não apenas para reforçar estruturas partidárias, mas para alimentar uma narrativa de vitimização destinada a comover a opinião pública lusófona e internacional.
Defender quem perdeu o poder por três vezes, sob acusações de corrupção e má gestão, e que se escuda numa pretensa imunidade para escapar à Justiça, é um erro de leitura – e uma injustiça para com um país que tenta, com esforço, restaurar a credibilidade das suas instituições. A Guiné-Bissau não é um “teatro de arbitrariedades”, como alguns sugerem; é um Estado em processo de reconstrução democrática, onde os tribunais, pela primeira vez em muito tempo, afirmam a sua independência.
A nova etapa política, liderada pelo Presidente Úmaro Sissoco Embaló e pelo Primeiro-Ministro Braima Camará, é marcada por um compromisso público com a legalidade e a estabilidade. Essa determinação pode desagradar a quem prosperou na confusão, mas é essencial para devolver dignidade à governação e confiança à comunidade internacional.
O futuro da Guiné-Bissau não se decidirá nas ruas nem nas redes sociais, mas no respeito pelas instituições. E é essa lição de coerência democrática que muitos observadores externos ainda precisam de compreender: a verdadeira liberdade política nasce do cumprimento da lei, e não da sua manipulação.



