Há anos que Ronaldo insiste que é “apenas um futebolista” e não um ativista político – um argumento que lhe serve para fugir a qualquer pergunta sobre regimes autoritários, abusos de direitos humanos, execuções públicas ou jornalistas esquartejados em consulados. Mas, curiosamente, essa mesma neutralidade evapora-se quando o convite vem acompanhado por cifras obscenas. Aí, já não existe desconforto político, nem dúvidas morais, nem distância saudável. Existe, isso sim, disponibilidade total para posar ao lado de um dos líderes mais repressivos do planeta e oferecer-lhe a legitimidade simbólica de que Bin Salman tanto precisa.
Ronaldo tornou-se, na prática, um troféu. Um objeto de luxo que a Arábia Saudita exibe ao mundo para anunciar a sua nova era dourada, lavada e perfumada a sportswashing. Um país que compra clubes, compra mundiais, compra influência e que também compra rostos mundialmente reconhecidos. Ronaldo não é o único, mas é talvez o mais valioso desses emblemas humanos. O futebolista que não quer falar de política, mas que se deixa usar como instrumento político.
É por isso perfeitamente legítimo concluir que, se outro regime – por mais abjeto, repressivo ou violento que fosse – lhe oferecesse montantes equivalentes, Ronaldo, muito provavelmente, não hesitaria. O critério não parece ser moral, ético ou humanitário. O critério é financeiro. Um tipo de pragmatismo que Ronaldo exibe sem corar.


À beira do final de uma carreira desportiva extraordinária, Ronaldo entra agora num período ainda mais lucrativo: o da reforma dourada, com avenças garantidas, contratos de embaixador, presenças coreografadas e aparições protocolares para regimes que perceberam que o futebol se tornou a forma mais barata de comprar credibilidade internacional.
É um futuro “brilhante”, sem dúvida. Mas brilha com a luz baça dos palácios autocráticos, não com a dos estádios onde Ronaldo conquistou o mundo. É essa a ironia trágica: depois de tanto querer ser recordado como o melhor de sempre, CR7 arrisca-se a ser lembrado também como um dos rostos mais caros e venais da propaganda contemporânea.
Ronaldo garantiu mais um marco na sua história pessoal, um sonho que acalentava, segundo disse há dias numa entrevista. Como previmos, os produtores do marketing político americanos e sauditas apressaram-se a aproveitar a oportunidade.



