Guiné-Bissau: entre a Lei, o Poder e a Moral

A Guiné-Bissau atravessa um dos períodos mais intensos e complexos da sua história recente. À medida que o país se aproxima das eleições gerais de 23 de novembro de 2025, as tensões políticas e judiciais intensificam-se, expondo feridas antigas e contradições que desafiam tanto o Estado de Direito como a maturidade democrática da nação.

0
220

Tudo começou com as dúvidas lançadas pela exclusão de algumas coligações políticas, nomeadamente a PAI TERRA-RANKA e a API CABÁS GARANDI, do processo eleitoral. Essa decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) levantou suspeitas, acusações e discursos inflamados. Muitos perguntaram-se: será o regime do Presidente Úmaro Sissoco Embaló o responsável por tais deliberações? Terá o Governo manipulado a Justiça para favorecer o poder? E por que motivo o Presidente do PAIGC, Domingos Simões Pereira, insiste em refugiar-se atrás da imunidade parlamentar, evitando responder às acusações judiciais que pendem sobre si?

As perguntas multiplicaram-se, e com elas as teorias, as paixões e as desconfianças. Falou-se até, com dramatismo político, de planos para “assassinar” o líder oposicionista. Mas a verdade, como sempre, é mais complexa do que as narrativas convenientes.

O Funcionamento das Instituições

O Presidente Úmaro Sissoco Embaló, longe de ser o ditador que alguns querem pintar, tem reiterado a sua fidelidade à separação de poderes e à autonomia do poder judicial. Nenhum decreto presidencial influenciou a decisão do STJ; nenhum ministro interferiu nas deliberações judiciais. A Guiné-Bissau, sob este regime, vive a consolidação de um princípio essencial: as instituições funcionam.

A decisão do Supremo, concorde-se ou não com ela, baseou-se em fundamentos jurídicos concretos – talvez excessivamente formais, talvez demasiado rígidos, mas não ilegais. O parecer jurídico elaborado após a deliberação identificou falhas técnicas e procedimentais, questionando se o tribunal não teria sido severo demais ao invocar “impossibilidade objetiva” de apreciação. No entanto, tais imperfeições não transformam uma decisão judicial em golpe político. São, antes, sintomas de um sistema que ainda aprende a equilibrar celeridade, rigor e justiça.

O Estado de Direito não é um palco para paixões partidárias. É uma construção diária que exige paciência, disciplina e respeito pelos ritos. O Executivo fornece as condições logísticas e financeiras; o STJ decide; a Comissão Nacional de Eleições executa. É este o equilíbrio que mantém a paz institucional e evita que o país mergulhe novamente no caos.

O Desafio Moral e Político

Mas se a legalidade é clara, a moralidade é outro campo de batalha. Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC – o partido fundado por Amílcar Cabral, símbolo da libertação e da ética revolucionária -, deveria ser o primeiro a honrar esse legado. A recusa em enfrentar a Justiça e esclarecer as acusações de corrupção (casos Resgate 1 e 2) mina a credibilidade do partido e fere a memória de Cabral.

Como pode um partido nascido da luta pela dignidade nacional esconder-se atrás de imunidades? Como pode um líder que invoca o patriotismo esquivar-se ao escrutínio da lei? O exemplo deve vir de cima, e o silêncio, neste caso, é uma forma de confissão moral.

A Crise da Liderança Política

Num contexto mais amplo, a crise do PAIGC é também o espelho de uma realidade amarga que contamina toda a classe política guineense: a liderança baseada no dinheiro. Como escreveu o jovem analista Onésimo Lony Cinho, “liderança conquistada por dinheiro perde-se por falta de dinheiro”.
A frase, além de provocadora, é profundamente verdadeira.

O poder em Bissau tem-se tornado, demasiadas vezes, um negócio. As alianças fazem-se com promessas e desfazem-se por falta de pagamento. Partidos nascem da ambição, e não da visão; coligações formam-se por conveniência, e não por convicção. O MADEM-G15, outrora símbolo de renovação, também conheceu as tentações da política monetizada – e viu como rapidamente a coesão se evapora quando o dinheiro escasseia. Quem se junta por interesse, separa-se por conveniência.

A consequência é trágica: a política deixa de ser um espaço de serviço público e transforma-se num mercado de favores. A corrupção instala-se, o povo desconfia, e os verdadeiros patriotas afastam-se. A democracia torna-se cínica, e o Estado, refém de quem tem o bolso mais fundo.

O Caminho para a Maturidade Democrática

O desafio da Guiné-Bissau, portanto, é duplo: institucional e ético. Institucional, porque o país precisa consolidar a confiança nas suas instituições – tribunais, governo, parlamento e forças de segurança. Ético, porque precisa reencontrar o sentido de liderança como missão, e não como negócio.

As eleições de 23 de novembro serão um teste à maturidade nacional. Serão também um espelho: refletirão o tipo de país que os guineenses desejam ser. Se um país onde as leis são respeitadas, mesmo quando contrariam interesses partidários; ou um país onde a gritaria política tenta substituir a justiça pelos boatos.

O regime do General Úmaro Sissoco Embaló, com todos os seus defeitos e desafios, tem pelo menos um mérito incontestável: tem mantido a estabilidade institucional e a soberania do Estado. Num continente onde o poder muda ao som das armas, a Guiné-Bissau começa finalmente a provar que pode mudar pelo voto – e dentro da lei.

O Futuro que se Decide Hoje

A história guineense ensina que nenhum poder é eterno e que toda liderança é julgada não apenas pelos seus atos, mas também pela forma como respeita a lei e a moral. A legalidade sem ética é tirania; a ética sem legalidade é caos. O equilíbrio entre ambas é a essência do Estado de Direito.

Por isso, a verdadeira batalha da Guiné-Bissau não se trava entre partidos ou candidatos, mas entre o velho vício do oportunismo e a nova esperança da institucionalidade.

Aqueles que hoje acusam o regime devem antes olhar para dentro e perguntar-se: Que exemplo damos às novas gerações? Que país queremos deixar? E, sobretudo se temos coragem de ser julgados pela mesma lei que invocamos?

Se a resposta for “sim”, então a Guiné-Bissau já começou a vencer.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui