Sempre me cativou o jeito andarilho dos ciganos. Desde a infância. Passavam no adro, à nossa porta. Montavam tenda por uma noite. Tal e qual como os caldeireiros e os compradores de farrapos e os compradores de cornelho, também. E os pobres de pedir. E os alvitanos arteiros em seu negócio.
Os ciganos, esses arranjavam cestos de vime ou de corra, a troco de pão ou de um naco de toucinho, de umas pobres moedas talvez, de lavrador mais abonado.
Habituei-me a vê-los passar, sem indagar que caminho tomavam. E ficava a pensar que todos os caminhos lhes pertenciam quando os via partir, sentados nos bancos esconsos de uma velha carroça, molhos de vimes já descascados em suspensão no taipal, uma criança e um cão.
Lembro-me de histórias tristes que sobre eles se contavam. Algumas de fazer medo. Aquilino Ribeiro também as ouviu nas Terras do Demo, essas histórias de fazer medo e de algumas contou.

Encontrei-os, mais tarde, na cidade. Parecia terem agora casa certa. Mas a casa não é senão tenda para maior demora. Os ciganos ainda não são inteiros cidadãos da cidade que habito. Mesmo que habitem a rua, quase sempre uma rua a nosso lado, mesmo que se abasteçam nas mesmas bancas do mercado, onde tanta vez mantêm banca.
Vem de um longo arco do tempo a sua cultura, de áreas geográficas distantes, ainda que distinção haja entre essas grandes famílias que prezam o sangue e as tradições do seu povo. As palavras de seu antigo linguajar, o traje quotidiano e de festa, o canto, as danças, a música, os cerimoniais das suas festas anuais. E essa sina de ler a sina de cada um de nós.
Em Portugal, há mais de 500 anos são parceiros da História de onde tanta vez os tentaram arredar. Até que, um dia, os deixaram cá ficar e ser parceiros. Que, de todo, ainda não são.




