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Janelas portuguesas

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Cada casa terá habitualmente duas ou mais janelas. O contacto com o exterior. A abertura a merecer a atenção do arquitecto, o gosto do proprietário. Sardinheiras à janela! «A janela da coscuvilhice»… Por isso, há estilos, hábitos, a percorrerem gerações.

O livro de José Luís Madeira e Jorge de Alarcão, Janelas Portuguesas dos Séculos XV a XVIII, edição do Centro de Estudos em Arqueologia Arte e Ciências do Património (Coimbra, 2024; ISBN: 978-989-36060-0-1, 333 páginas), não pretende apresentar o catálogo de todas as janelas assinaláveis dessas bem remoras eras.

A ideia dos autores foi de, através de minuciosos desenhos e sintéticas descrições, darem conta das características estilísticas patentes ao longo dos tempos, para que, depois, se possa dizer, com o apoio destes testemunhos, «Esta é uma janela do século XVI, da segunda metade do século XV» e assim por diante. Por isso, o título do volume é janelas portuguesas e não as janelas portuguesas.

Tondela – janela do Solar de Sant’Ana

Não quer isto dizer que não estejam aqui documentadas as principais janelas dos períodos em análise. Estão-no seguramente; contudo, foi também intento discutir conceitos: o que é um solar, uma casa solarenga, um palácio, uma casa de sobrado, a casa corrente ou comum, uma casa fidalga… E o que é uma aldraba, uma portada, um muxarabiê?…

«Lateralmente, as portadas articulam-se por meio de peças de ferro, os lemes, providos de espigão que se insere num pequeno copo ou cachimbo» (p. 26): um exemplo de como, em poucas palavras, se dá conta duma série  de designações, a tal terminologia técnica que devia conhecer-se no cotidiano, a fim de evitarmos palavras e expressões  como «o  coiso», «aquela coisa»… Tudo, afinal, tem nome próprio e há que o saber, mesmo não sendo carpinteiros ou construtores civis, para melhor nos entendermos.

Se vale a pena folhear pausadamente este volume, com 180 números, cada um deles a referir a uma ou mais janelas de um edifício, acompanhados os desenhos por adequada e fundamentada descrição? Sem dúvida!

Relevante pela exaustiva bibliografia apresentada, pela integração histórica e, de modo especial, pelos excelentes e preciosos desenhos de José Luís Madeira. Pois não se mostram só os pormenores sugestivos de cada janela, há delineada a representação da respectiva casa na sua totalidade.

Dará seguramente muito gosto e proveito a leitura vagarosa destas páginas, onde, a par do rigor descritivo, campeia a enorme sensibilidade gráfica que destes desenhos dimana.

Um livro para ter na mesa da sala de visitas, a fim de ser folheado não uma mas muitas vezes. No fundo, um passeio bem diferente, guiado por bem argutos olhares, por esse Portugal de antanho, que tanto, afinal, tem para admirar.

AS SÁBIAS MÃOS DOS CANASTREIROS DE VISEU

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Vem dos tempos de Adão o humilde ofício de entretecer fibras vegetais a que vulgarmente damos o genérico nome de “cestaria”, saber-fazer acerca do qual me permito citar parcela de antigo texto por mim escrito noutro lugar:

“A cestaria, poética e original construção de entrançados e entrelaçados, primeira manifestação segura de uma tecnologia com alguma complexidade, constitui-se como um dos mais curiosos fenómenos da caminhada histórica do homem, como a expressão mais natural da resolução das suas necessidades, como o testemunho mais evidente da sua estreitíssima ligação com o ambiente.

O desgaste sofrido pelo cesto numa serventia de quotidiano e a própria natureza da matéria-prima vegetal portadora de intrínseca marca do efémero iriam limitar, na cestaria, o valor arqueológico do documento, o qual permanece, todavia, na lição etnográfica felizmente tão vigorosa ainda.

A origem e primeiro desenvolvimento da cestaria processa-se no quadro de uma vida doméstica e rural onde responde às primordiais tarefas de recolecção e às necessidades de transporte, garantindo também a armazenagem dos frutos da terra, o resguardo das utilidades da casa e a defesa dos animais nos cercados da primeira domesticação”. (In Artesanato da Região Centro, IEFP, Coimbra, 1992, p. 189).

Mantém ainda residual presença o fabrico de cestos de tipologia vária na região de Viseu, por mais que os antigos usos se tenham readaptado a novas funções sem terem, no entanto, perdido o papel da inicial serventia.

Tomamos hoje, como exemplo, o fabrico de uma básica cestaria de vime ou de outra verga, que fez dar o nome de “canastreiros” aos executores de um ocasional labor de horas vagas que, todavia, cumpria a resposta a uma imediata necessidade de um artefacto, quase sempre do seu círculo familiar ou de reduzido âmbito, no quadro de uma apertada economia de subsistência de matriz paroquial.

As cestas de amplo aro e uma poderosa asa construída de vime rachado a que se mantivera a casca e o cesto de idêntica matéria entretecido a partir de um elementar cruzamento da matéria-prima, que gerava a embrionária arquitectura das paredes, depois preenchidas pelo apertado laço da verga – que se desenvolve, desde o fundo, até ao reforço dos bordos – constituem-se como operosos instrumentos de trabalho no círculo de uma economia dependente da terra.

Não raro é o próprio lavrador que, na quadra mais vaga do trabalho do campo, se ocupa de semelhante mester, ou então, se menos hábil, contrata com artesão da vizinhança a entrega dos artefactos precisos em troca de trabalho, que tanto pode ser a lavra de um chão para a sementeira do milho ou o carreio dos frutos da horta.

A cesta e o cesto lá andam, no curso do ano, no braço ou na cabeça das mulheres, o cesto mais aos ombros dos homens ou sobre o tabuado do carro. Levam cachos de vindima, espigas de milho para a eira, verdura das hortas. Vendeiras antigas traziam à Praça da cidade mercadorias caseiras, que se expunham também em feiras de ocasião, ou romaria, ainda que a estes lugares viessem antes carregadas com cestas ou cestos, cabazes de verga de madeira de mais apurado lavor.

Mas eram sempre os lavradores quem armava a sebe do seu carro de bois. Colhiam, no geral, vergame de castinçais ou de salgueiro e, sobre a estranha urdidura de varões de castanho que se fincavam nos orifícios do tabuado do carro, estendia-se, pacientemente, uma apertada teia com a verga referida. Deste modo se definia um útil resguardo, a que se articulava uma espécie de porta do mesmo material ou de fruste tabuado junto às chedas do carro, garantindo-se o eficaz transporte dos estrumes miúdos, o carrego das abóboras ou das espigas de milho… Assim amparada, a riqueza da terra nos caminhos de sobe-e-desce dessa geografia de casais e de aldeia.

Hoje são memória, são objectos de museu os cestos também. Mais o são estas sebes de raiz milenar, servis até mais não poder, ora trocadas – elas e o carro de bois de rodas ferradas, às vezes de eixo cantante – pela eficácia mecânica, mas menos poética, do tractor.

ASSIM NOS VÃO CALAR

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Recebi ontem um email da empresa que gere o servidor onde tenho instalado este site. A mensagem é sobre “cumprimento de embargos”. Pode ler-se que “os serviços fornecidos pela ( — )  podem estar sujeitos a controlos/restrições de exportação do Governo português, da União Europeia ou dos países da Associação Europeia de Comércio Livre.”

Ao longo de 4 parágrafos, esta empresa portuguesa diz-me que, por exemplo, os serviços que uso e pelos quais pago (como alojamento, servidores, domínios, etc.) podem estar legalmente impedidos de ser fornecidos em certos países ou entidades, segundo as leis e sanções em vigor.

Por exemplo, se eu viajar para um país alvo de sanções decretadas pela UE ou pelos EUA posso ter o site embargado. O mesmo poderá acontecer se o site for visitado por algum norte-coreano, russo, iraniano ou cubano, por exemplo. A empresa poderá bloquear o acesso ou encerrar o serviço.

Tecnicamente, não há limitações legais em Portugal ou na UE de citar fontes consoante a origem geográfica. Mas eu sei lá onde está alojado o servidor que a empresa portuguesa utiliza para prestar serviços aos seus clientes. Se estiver na Alemanha ou nos EUA, tudo pode acontecer, a bem das sanções decretadas. Já há casos de empresas tecnológicas cortarem serviços com base em decisões preventivas, especialmente desde 2022 com a intensificação das sanções à Rússia. Desde outubro de 2023, a censura tornou-se mais visível nas redes sociais com vídeos provenientes da Palestina e que denunciam o genocídio executado por Israel.

Isto ultrapassa tudo o que poderia imaginar sobre o acto de censurar a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a liberdade de opinião, o direito de informar e de ser informado. É um modo expedito de nos impedir de viajar, ou se o fizermos não podemos consultar o site ou publicar novos conteúdos a partir desses destinos. É também um modo discricionário de bloquear sites que possam ser incómodos. Podem decidir censurar por causa do conteúdo difundido, pelos links que inserimos no texto ou por quem venha a ler essas publicações.

Pior ainda. Este aviso da empresa de gestão de servidores significa que até mesmo empresas privadas acabam por ser instrumentos de execução de políticas impostas por acordos internacionais ou alianças que sujeitam o Estado português.  Uma “censura corporativa”, privada, travestida de cumprimento legal, que permite às empresas escolher o que alojar com base em critérios pouco claros, encerrar serviços sem contraditório, apenas com “notificação por escrito”. Um poder ilegítimo para silenciar vozes legítimas. O risco de censura é enorme.

O PAÍS REAL

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foto de Miguel A. Lopes alterada com grafismo

Vi na Televisão uma senhora perguntar ao Primeiro-ministro se viveria com 600 euros por mês. Respondeu ele que este Governo aumentou as pensões. Sim, por pressão da oposição. E, ainda assim, um aumento que não impediu, diante do custo de vida, que os pensionistas se mantivessem no limiar de pobreza. Os 600 euros que a senhora recebe devem servir para o PM pagar um almoço de família… Sim, porque se esta senhora quiser convidar os netos para almoçar, por exemplo, lá se vão os medicamentos ou a comida da semana seguinte.

Também os escalões intermédios do IRS, criados recentemente, levaram a que quem recebia mais e desceu de escalão, passou a receber ainda mais; quem se manteve no escalão e recebia menos, continuou a receber menos… Os aumentos de pensões, do mesmo modo, continuaram a beneficiar quem mais recebia.

Por outro lado, os apoios a quem mais precisa continuam a ser cortados: ele é o abono de família, os apoios sociais por deficiência a serem suspensos, as rendas de casa, e por aí fora.

Tenhamos em conta, por exemplo, um funcionário de uma empresa camarária que, não sendo funcionário público, mas fazendo serviço público, supostamente lhe é equiparado. A diferença é que os funcionários públicos tiveram aumentos. Os daquelas empresas não tiveram e, no caso de Lisboa, Carlos Moedas assim providenciou. Uma família que recebesse apoio à renda por parte do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), não tendo aumento de ordenado, mas sim aumento de renda, por força da ‘taxa de esforço’ deixou de receber o apoio. Não faz sentido? Claro que não. Se não teve aumento de ordenado precisaria muito mais do apoio do IHRU. Mas perdeu-o, porque quem ganha 1000 euros não pode pagar uma renda de 800 euros em Lisboa. Resultado: mandaram um cidadão ‘ir viver para fora da capital’, naturalmente ignorando as rendas que se pagam nos arredores e que o contrato de arrendamento não é recente. Como se os cidadãos não fossem livres de viver onde querem ou não tivessem filhos e, naturalmente, a dificuldade em mudar uma família inteira. Tudo isto acrescido do verdadeiro escândalo que é a penalização das famílias monoparentais. Estas ainda recebem menos.

Acresce que, no ano passado, muitos apoios da Porta 65 (apoio à renda) não foram pagos. Dizem que houve ‘um problema informático’ e vão agora pagar com retroactivos. Estou para ver. Outros houve que ainda estão à espera. E com o que viveram estas famílias? Foram ao supermercado e puseram na conta do Governo?

Outra verdadeira anedota é o que se passa na saúde com as parcerias público-privadas. Supostamente recorre-se a um hospital privado porque o SNS não tem capacidade de resposta a uma cirurgia urgente. Esta é, então, marcada e na véspera ligam ao paciente a adiar a operação porque não há enfermeiros no bloco operatório…

São estas algumas das contas que os políticos não fazem ou não querem fazer, em obediência a outros interesses económicos.

Pacheco Pereira, num artigo recente sobre as ‘tropelias’ do PM no caso Spinumviva, que levou à queda do Governo e a novas eleições, escreveu que a análise do mesmo ‘permite olhar para os “centros de influência” existentes na democracia portuguesa, na advocacia, na consultadoria, nas agências de comunicação, nos partidos políticos, autarquias, gabinetes de ministérios e governos, na administração pública e nos poderes fácticos, seja do futebol à Igreja’.

E acrescenta que ‘quem manda muito em Portugal não são muitas vezes os detentores de cargos formais, ministros, deputados, autarcas, mas esse círculo que actua nos gabinetes, que exerce o poder de escolha para cargos relevantes ou, ainda melhor, tem o poder de veto (…)’.

Os breves exemplos dados neste texto e a citação de Pacheco Pereira demonstram cabalmente que os governantes, voluntariamente, se divorciam cada vez mais da realidade.

SINTRA FALHA COM OS MAIS DESFAVORECIDOS

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colagem fotográfica

Sintra, um dos maiores e mais ricos municípios portugueses não consegue gerir a situação de alguns munícipes que não têm casa, vivem ao relento.

As pessoas vivem na rua, muitas vezes em situações limite de sobrevivência, principalmente quando chove e faz frio

Um desses sem abrigo é Manuel Ildefonso, que há cerca de 7 anos mantém um protesto em frente ao edifício sede da Câmara Municipal.

Ildefonso não se limita a reclamar para si próprio, também denuncia as situações em que se encontram outros sem abrigo.

Foi ele quem deu a conhecer o caso de Luís Quental, um homem completamente desamparado que já foi vítima de assaltos durante a noite, para lhe roubarem o quase-nada que tem.

O ponto da situação em que está o senhor Luís Quental, em vídeos de autoria de Manuel Ildefonso.

vídeo

NESTAS ELEIÇÕES TODOS GANHAMOS!

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fotos de Miguel A. Lopes e José Sena Goulão

Começando pelos portugueses mais crédulos, estou seguro de que ficarão radiantes não lhes faltando motivos para tal.
Analisemos, ponto por ponto. Independentemente de quem ganhe, ao que afirmam os candidatos a governar o País, os bebés passarão a nascer felicíssimos porque vão acabar os partos nas ambulâncias, os pais vão receber um subsídio só pelo nascimento e vão ter creches gratuitas.

As crianças vão ter escolas novas, ou remodeladas, a funcionar em pleno, com professores em todas as disciplinas e refeições melhoradas.
Os adolescentes terão acesso facilitado às universidades, com residências para todos, propinas mais baixas e bolsas de estudo.

No fim dos cursos, não precisarão de emigrar porque as nossas empresas estão desejosas de gente com talento e os ordenados vão subir numa proporção idêntica à que foi atribuída às forças de segurança, por exemplo.

Em todo o território nacional haverá apoio médico garantido com a abertura de novos postos médicos e hospitais.
Finalmente, haverá médicos e enfermeiros de família para todos os portugueses e para os estrangeiros que estejam legais no país.
Isto porque, como está garantido, a imigração descontrolada está prestes a terminar.


Dentro de dias não haverá um estrangeiro, no nosso país, que não possa provar que tem emprego, desconta para a segurança social, não tem cadastro e vai à missa todos os domingos. A título muito excepcional até poderá ir às mesquitas às sextas-feiras…

A construção de novas habitações vai subir em flecha e, por isso, dentro de poucas semanas, não faltarão casas com rendas acessíveis. Uma prenda exagerada porque, como todos os ordenados vão aumentar substancialmente (incluindo o mínimo, que até poderá vir a ter de mudar esse qualificativo), as rendas actuais seriam facilmente suportadas.

As pensões de reforma, e o rendimento mínimo, vão duplicar o seu valor actual com promessas de melhoria a curto prazo.
O cabaz de compras vai ser mais acessível porque o IVA para os produtos essenciais vai ser eliminado.

Os combustíveis vão ter preços idênticos aos do século XX. O gás vai ter preço igual ao que se vende em Espanha.

A semana de quatro dias de trabalho está para breve. Haverá um forte incentivo às artes, à investigação e à ciência.

Finalmente, os investimentos e as exportações irão aumentar, os impostos vão baixar, alguns desaparecer, e haverá uma redução significativa da dívida pública.

Quanto aos incrédulos, pelo seu mau feitio habitual, o contentamento não será, obviamente, idêntico ao dos crédulos, mas ainda assim terão razões para festejar. Todos sabemos que estas eleições serão ganhas ou pela AD, de Luís Montenegro, ou pelo PS, de Pedro Nuno Santos. E é garantido que, o que perder, tem os seus dias contados à frente do seu Partido. Logo, de um deles, pelo menos, ficaremos livres. É um êxito de 50%, mas… é uma vitória.

Se o Partido vencedor ganhar por “poucochinho”, e os seus militantes seguirem o exemplo de António Costa com António José Seguro, até
podemos ficar livres dos dois. Mas isso também já é sonhar alto!

AI, COITADINHO!

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Quando figuras políticas são vítimas de ataques, situações de saúde públicas ou outros episódios de alto impacto emocional, isso pode alterar significativamente o curso de uma campanha. E agora estou a lembrar-me de Mário Soares na Marinha Grande e de Ramalho Eanes de peito às balas, outras campanhas, outros tempos, mas o mesmo fenómeno.

Com Jair Bolsonaro em 2018, o ataque com faca mudou o tom da campanha. A facada interrompeu os debates e intensificou a imagem de vítima do sistema, o que consolidou apoio entre seus seguidores. Deu para vencer as eleições. Com Donald Trump o sniper zarolho só serviu para o ajudar a ser eleito para um novo mandato.

Com André Ventura, um espasmo em direto na televisão, a exibição do acamado em fotos e vídeos nas redes sociais, mesmo sem qualquer indício de encenação, o episódio humaniza o candidato e pode gerar empatia. A cobertura mediática amplifica essa impressão.

Ainda que não saibamos se esses eventos foram encenados, é legítimo questionar como são usados politicamente. Em campanhas cada vez mais emocionais e teatrais, mesmo o que é espontâneo é estrategicamente aproveitado para ganho político. Isso não deve alimentar teorias da conspiração, mas levar à reflexão crítica sobre como o espetáculo político se sobrepõe, muitas vezes, ao debate racional.

Estratégias de vitimização sempre existiram, mas o que mudou drasticamente nos últimos anos foi o alcance e a velocidade com que produzem efeito, graças às redes sociais e à comunicação emocional em massa.

Quando um político é visto como vítima (de um sistema, da imprensa, de adversários ou de um ataque literal), o público tende a simpatizar com ele. E depois, o choque neutraliza críticas, porque qualquer crítica pode ser enquadrada como mais uma “injustiça”. André Ventura já explorou antes a estratégia de vitimização ao dizer que era perseguido pela esquerda, elite, sistema judicial, etc.

Hoje, uma narrativa de vitimização bem construída pode se espalhar em minutos e gerar um efeito de manada, alimentado por bolhas informativas. A capacidade de editar vídeos, manipular contextos e mobilizar influenciadores torna essas estratégias ainda mais eficazes e perigosas.

O que acho mais interessante é verificar como até os alvos do André Ventura (ciganos, afrodescendentes, imigrantes) vão para as redes sociais dizer que lhe desejam “as melhoras” e “tudo de bom na vida” porque afinal ele é um ser humano, blá blá blá. É mesmo um fenómeno fascinante e revelador.

A não ser que seja uma jogada, o que seria extraordinário. Ou seja, quando um membro da etnia cigana deseja as melhoras ao líder racista da extrema-direita que jamais seria capaz de desejar as melhoras ao cigano, isso poderá ser entendido como um exercício que pretende revelar superioridade moral sobre o fascista.

Expressar humanidade e empatia a quem o costuma desumanizar pode ser uma forma de afirmação moral pública. No fundo, é como dizer: “Apesar de tudo, nós somos melhores do que aquilo que ele diz que somos.”

Seja como for, é uma atitude que mina, subtilmente, a retórica do fascista. Mostra que os “inimigos” dele são, na verdade, mais civilizados do que ele os pinta. E são mesmo.

Eurovisão: um palco branco para vozes autorizadas

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Todos os anos, milhões de europeus sentam-se diante do ecrã para assistir à Eurovisão. A música, os trajes exuberantes, as coreografias, os efeitos especiais, tudo parece um espetáculo inocente, até festivo. Mas por trás da cortina de luzes, repete-se um velho enredo: quem é autorizado a subir ao palco, e quem continua sem voz.

Poucos sabem — ou preferem ignorar — que a Eurovisão não é uma competição entre países, mas entre canais de televisão. É organizada pela União Europeia de Radiodifusão (EBU), uma rede de operadores públicos, e não por governos. Mesmo assim, os símbolos nacionais, as bandeiras e os aplausos assumem sempre contornos patrióticos. E é aqui que começa o desconforto.

Como pode Israel participar num evento dito “europeu”? E a Austrália? Por que razão esses países, ambos fora da Europa, são convidados habituais, enquanto outras nações geograficamente mais próximas e culturalmente ricas são ignoradas?

A resposta é incómoda. Israel e Austrália têm em comum uma história colonial, um alinhamento político inequívoco com o Ocidente, e uma população largamente branca. Eventualmente, são vistos como “europeus” que emigraram, sei lá. A verdade é que, por exemplo, a China, o Paraguai ou o Botswana poderiam cumprir os mesmos critérios técnicos que Austrália ou Israel. Mas não fazem parte do imaginário cultural que a Eurovisão considera aceitável.

O caso de Israel é ainda mais pungente. Participa desde 1973, com direito a vitórias, elogios e celebrações. Tudo isto enquanto mantém uma ocupação militar, bloqueia Gaza e a Cisjordânia, bombardeia civis e transforma o quotidiano palestiniano num cenário de ruínas. A Eurovisão não é neutra, provou-o ao excluir a Rússia após a invasão da Ucrânia. Mas quando o agressor é Israel, o palco continua aberto.

Poderíamos discutir se a Palestina deve ou não participar. Mas a verdade é mais crua: a Palestina não tem casas, quanto mais emissoras de rádio e televisão públicas. A destruição sistemática da sua infraestrutura, da sua cultura e da sua dignidade torna impossível qualquer igualdade de condições. O que sobra, portanto, é a nossa responsabilidade. A de recusar a normalização da opressão, mesmo quando ela vem disfarçada de balada pop ou refrão eletrónico.

A Eurovisão gosta de se apresentar como uma celebração da diversidade. Mas a diversidade que exibe é cuidadosamente filtrada — e muitas vezes, branca, ocidental e cúmplice. Há vozes que continuam excluídas não por falta de talento, mas por excesso de verdade. E essa verdade ainda assusta demasiado para caber numa canção de três minutos. Sim, por isso não é possível ouvirmos alguém cantar a Palestina neste festival de canções. Viva a Palestina livre!

DE ONDE VEIO O LEÃO DO SPORTING

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Tinha um gosto especial pelo desenho, existindo vários trabalhos seus nos arquivos da família. Como era daltónico, evitava colorir os seus desenhos, preferindo, por isso mesmo, o desenho a lápis e a tinta-da-china. As poucas vezes que se atreveu a aguarelas nota-se que as cores estão erradas.

Desenhou diversos motivos, socorrendo-se, na maioria das vezes, de pinturas de autores conceituados como Diego Velázquez, Domingos Sequeira e Roque Gameiro. Assinava sempre os seus trabalhos com a assinatura “FPombeiro” e, mais raramente, Fernando Castelo Branco.

Alguns desenhos a tinta-da-china que fez de sua autoria são de paisagens e de trabalhos agrícolas, que registou ao vivo na Quinta da Foja, na Figueira da Foz, quinta fundada, em 1185, pelos Frades Crúzios e adquirida em 1834, em haste pública, por José Ferreira Pinto Basto, seu sogro.

desenho de Fernando Pombeiro
desenho de Fernando Pombeiro

Segundo o seu filho, D. António de Castelo Branco, era um bon vivant. Frequentava regularmente convívios, gostava de touradas, chegando a ir a Espanha para assistir a espetáculos tauromáquicos. Deixando alguns desenhos de espetáculos a que chegou a assistir.

aguarela de Fernando Pombeiro

É um dos quatro fundadores do Sporting Clube de Portugal, que teve origem no Verão de 1905, no Passeio Maria Pia, em Cascais, durante conversas que teve com os seus primos José Alfredo Holtreman Roquette, José Viana Ferreira Roquete e António José Roquette Rebelo de Andrade. O emblema do clube foi, então, inspirado no brasão que D. Fernando de Castelo Branco tinha no anel de ouro que usava no dedo (brasão de Castelo Branco e condes de Pombeiro): um leão rampante, de ouro, sobre campo azul. A pedido de D. Fernando Pombeiro, decidiu-se que seria de prata o leão rompante e a cor escolhida pelos primos o verde. A 1 de Julho de 1906, o clube foi oficialmente fundado. Em 1907, a Casa Anjos de Lisboa apresentou o símbolo, em que o leão foi mudado para a cor de ouro com o fundo em verde.

brasão de Castelo Branco e condes de Pombeiro
o primeiro emblema do Sporting Clube de Portugal

A 10 de Fevereiro de 1909, a Câmara Municipal de Cascais atribui a seu nome a um arruamento onde morava, que se inicia na Rua dos Navegantes e finda na Avenida Vasco da Gama, em Cascais.

D. Fernando de Castelo-Branco Correa e Cunha de Vasconcelos e Sousa nasceu a 2 de Maio de 1852, na freguesia dos Anjos, em Lisboa, e faleceu a 9 de Agosto de 1920, na sua Quinta da Foja, na Figueira da Foz.

HÁ UMA REVOLUÇÃO EM MARCHA

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É o exemplo do homem novo que África tem esperado nos últimos séculos. Tem 37 anos, é uma espécie de “capitão de abril” mesmo se o golpe de estado que liderou foi em setembro. Começou por ser um militar golpista para se tornar num símbolo como líder africanista, uma voz contra o neo-colonialismo que tem subjugado as economias africanas e impedido o desenvolvimento dos países. Dizem que já escapou a várias tentativas de assassinato.

Ibrahim Traoré, tem-se destacado como uma figura carismática e polarizadora no atual cenário político africano. Tem um discurso forte contra a influência ocidental, na denúncia da exploração contínua dos recursos africanos por potências externas. Um discurso que conquistou apoio popular não só no Burkina Faso, mas também noutros países da África Ocidental.

Com ele, o Burkina Faso rompeu laços militares com a França, exigindo a saída das tropas francesas, e tem procurado parcerias alternativas, nomeadamente com a Rússia, Brasil e países vizinhos. O líder do Burkina Faso esteve recentemente em Moscovo para participar nas celebrações do 9 de maio, o dia em que a Rússia celebra a vitória sobre a Alemanha nazi.

Ibrahim Traoré com Umaro Sissoco Embaló, Presidente da Guiné-Bissau, em Moscovo, em 9 de maio

Existem relatos consistentes, embora pouco detalhados oficialmente, sobre várias tentativas de assassinato contra Traoré. Esses relatos alimentam ainda mais a sua imagem de “resistente” e mártir em construção.

Apesar da retórica forte, Traoré ainda não conseguiu estabilizar o país. O Burkina Faso continua a enfrentar violência jihadista em várias regiões. Os extremistas islâmicos serão financiados precisamente pela França e apoiados militarmente pela Ucrânia. É como se a guerra com a Rússia tivesse uma extensão na África subsariana.

DEMOCRACIAS DE PAPEL

No Ocidente criticam Ibrahim Traoré pelo desalinhamento com as antigas potências coloniais e por não ter ainda marcado eleições para que os militares deixem de governar o país.

Se Traoré quiser afirmar-se como um chefe africano, não se vai preocupar com eleições. As democracias ocidentais não casam com as tradições e os costumes da maioria dos povos de África e, como estamos a ver hoje, não são exemplo para ninguém, face aos apoios a regimes genocidas e aos esquemas militaristas para depor líderes que não alinham com o ocidente.

Em África, muitos olham para a democracia liberal ocidental como um modelo imposto, que falhou em criar estabilidade, justiça ou desenvolvimento económico sustentável em grande parte do continente.

A forma como o Ocidente lida com crises, como o apoio a Israel face ao genocídio em Gaza, ou as ingerências em países como Líbia, Mali e Níger, alimenta a perceção de hipocrisia. Fala-se em direitos humanos e democracia, mas apoia-se ou impõe-se regimes ou políticas claramente contrárias a esses princípios quando isso serve os interesses estratégicos ou económicos ocidentais.

Há uma crítica clara ao que se chama “democracia de papel”. Ou seja, eleições formais sem verdadeira soberania popular. Muitos desses países realizaram eleições regulares sem que isso resultasse em melhoria das condições de vida, redução da corrupção ou maior justiça social. Nessa lógica, a democracia representativa é vista como uma fachada.

OS MAUS EXEMPLOS DE ANGOLA E MOÇAMBIQUE

Por exemplo, regimes como o de Angola ou de Moçambique em que a repressão política se exerce ao ponto de matar simples manifestantes de rua, em que as eleições têm sempre um véu de aldrabice mas são aceites como legítimas pelo Ocidente, dão razão a tipos como Traoré que rejeitam hipocrisia e repressão.

Em Angola o MPLA confunde-se com o Estado. É como se o regime continuasse a ser de partido único. Mas há eleições legitimadas pela comunidade internacional e pelo FMI. Em Angola, quase tudo tem a marca da falta de transparência, do controlo dos media, da repressão sobre a oposição e por  mortes de manifestantes, como nas manifestações de Cabinda e do movimento “Revú”. A corrupção, com famílias no topo do Estado ligadas a fortunas colossais, agrava a deslegitimação interna.

Em Moçambique, é a FRELIMO quem manda desde a independência. Também ali tem havido assassinatos políticos e manipulações eleitorais. Escândalos como o das “dívidas ocultas” revelam o uso do Estado em benefício privado, com conivência internacional.

Ambos os regimes têm sido apoiados ou tolerados por potências ocidentais e instituições multilaterais (FMI, UE), porque garantem “estabilidade” e abertura a interesses económicos.

Quando surgem líderes como Ibrahim Traoré, os interesses instalados sentem-se ameaçados. E é nesse confronto entre o africanismo e o neo-colonialismo que está o “mecanismo” que aciona golpes de estado.

O Burkina Faso não é caso único. Diferentes modelos de governação estão a ser ensaiados em países como o Botswana, o Mali, a Etiópia, o Senegal, até mesmo na Somaliland (um Estado não reconhecido que se separou da Somália). São todos casos de países liderados por jovens que, à semelhança de Ibrahim Traoré, rejeitam “democracias de fachada” dominadas pelas multinacionais e subjugadas à dívida externa imposta pelas regras do capitalismo ocidental.

Traoré e outros líderes militares revolucionários ganham força quando assumem a luta de forma aberta, e não com o verniz institucional da “governança” sem povo. Quando esses líderes, como Traoré, expulsam as antigas potências coloniais e tentam devolver aos africanos o controlo dos recursos naturais, a sua legitimidade popular cresce muito. Se não morrerem de morte matada, como aconteceu antes com Thomas Sankara, Amílcar Cabral, Patrice Lumumba ou Muammar Khadafi, todos derrubados (ou mortos) após confrontar interesses externos, com o tempo veremos o que conseguem concretizar.