Tequila Repousada

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Noite, Bairro Alto cheio de gente, miúdos com garrafas de vinho na mão, cantam, gritam, dois deles tropeçam e caem, um a seguir ao outro, ouve-se o estilhaçar das garrafas, seguido de um grito agudo.

Destaca-se um grupo de jovens mulheres muito animadas, uma delas usa um pequeno véu. Entre elas Sofia, agora com o cabelo liso, cortado até à altura do pescoço. Cabelo cor cobre. Usa um vestido azul acetinado que alarga um pouco da cintura para baixo até ao joelho onde caem duas rosas, também elas de cetim. É muito bonito, Sofia sente-se e está muito bonita até ler o sms. Tudo roda à sua volta, põe as mãos no estômago, vomita de imediato perde-se do grupo, perde o telemóvel, cai de joelhos a chorar copiosamente.

 – Morri de amores por ti, devia ter-te matado, em vez de me morreres! Devia ter-te matado! Morreste-me Ricardo, morreste-me!

Um grupo de miúdos coloca-se à sua volta.

 – Está bem minha senhora, precisa de ajuda?

Sofia levanta-se num ápice e com um olhar assassino grita:

 – Estou bem sim, e vocês querem continuar bem?

O grupo afasta-se, Sofia olha à volta, vê um bar e entra decidida.

Bar Launche

 – Quero uma tequila repousada.

 – Quer um shot de tequila?

– Quero uma tequila repousada e faça um refill sempre que o copo estiver vazio, obrigada.

O pensamento de Sofia parte para Nova Iorque. Um casal dança no meio da neve, faz amor num apartamento minúsculo, come piza entre lençóis. Sofia revive com Ricardo todos os clichês das pessoas apaixonadas.

– Amas-me?

Pergunta Sofia.

– Amo-te até morrer!

Responde Ricardo.

Com a recordação, rolam umas lágrimas, já rolaram várias tequilas. Sofia começa a ver o bar um pouco nublado apesar de ter uma resistência enorme ao álcool. Com um ar paternalista, o barman enche de novo o copo e eis que Pedro entra no bar. Olha como que um radar para o espaço, detém o olhar nela.

 – O que é que a senhora está a beber?

 – Sr Pedro está a beber tequila, há demasiado tempo…

 – Branca ou repousada?

 – Repousada Sr. Pedro

 – Sirva-lhe mais uma, então.

– Mas, sr Pedro…

– Mais uma.

Sofia recebe o copo, olha para o fundo do bar, vê dois homens de fato, gravata azul e com o rosto exactamente igual. Vira a tequila a olhar para eles, bate com o copo invertido no balcão e vira a cara para o outro lado num gesto de desprezo.

Não muito tempo depois, Sofia saiu disparada para a casa de banho.

À saída Pedro segura-lhe o cabelo enquanto ela lava a cara. Depois dá-lhe uma toalha para as mãos, espera de costas voltadas enquanto Sofia se recompõe.

 – Muito obrigada.

 – Não tem de quê. Não foi um prazer, pelas circunstâncias, mas o prazer foi todo meu.

 – Sofia ri com alegria.

 – Um passeio pela Baixa para “e tudo o vento levou” as tequilas?

Sofia ri de novo e anui com a cabeça.

Passeiam pela Baixa, Sofia está ainda meio trôpega, conversam sobre tudo e nada. Fica a saber que Pedro tem uma cadeia de bares em Lisboa, todos eles diferentes, todos eles iguais. Fala sobre as vantagens e desvantagens da restauração, sobre a dificuldade que muitas vezes é lidar com o público.

 – E tu Sofia, que fazes?

 – Eu sou uma assassina profissional ao serviço da República Portuguesa! (Risos)

 – A sério?

 – A sério, só trabalho quando me apetece e escrevo contos policiais.

 – Fantástico! Diz um que possa comprar já amanhã!

 – Impossível. Nunca publiquei nenhum…

 – Mas porquê? Não acredito que sejam assim tão maus, deixa-me ler um manuscrito, por favor.

 – Os meus livros são escritos, entregues para análise e destruídos.

 – Não percebo…

 – Também não percebo porque é que a conversa está a ficar aborrecida, já estou sóbria e tudo.

No quarteirão a seguir ouve-se uma voz. Um velho poeta declama, tem a boina no chão com algumas moedas.

 “Dizias adeus e saías da minha vida
com um aperto de mão desembaraçado,
quase cordial um gesto de boa camarada,
como se nada tivesse havido antes,
como se não tivéssemos sido tantas vezes na cama,
um dentro do outro, um no outro,
um outro diferente, uma coisa sublime.”

Ficam os dois calados, ambos abrem a carteira e deixam uma nota de 20 outra de 50, olham-se nos olhos.

 – Uma coisa sublime, diz Pedro olhando-a com desejo.

 – Queres levar-me para a cama?

 – Só se casares comigo, tivermos seis filhos e formos felizes para sempre.

 – Humm, não sei, há bar e bar, há ir e voltar… (Risos)

Abraçam-se e beijam-se.

(continua)

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