Vê-se uma mulher a cair no chão, dando um grande trambolhão. Em 1º plano, a cara de Sofia na relva, um pouco de sangue jorra do nariz. Um homem corre até ela.
– Magoou-se? Está bem? Está a sangrar do nariz! diz João nervoso. À volta, meia dúzia de pessoas acerca-se como que estivessem no circo. João espanta-as dali.
Sofia levanta-se lentamente, tem cabelos compridos cor de cobre quase laranja, uma camisa branca abotoada à frente, com golas redondas e bordadas, uma saia rosa cinza, sapatos rasos, apertados à frente com uma tira. Parece uma boneca, ou melhor uma criança. Os joelhos estão esfolados e ensanguentados. João diz-lhe para esperar, sai disparado para o café. Volta com um kit de primeiros socorros, olha Sofia nos olhos, apaixona-se de imediato pelo seu rosto. Limpa o sangue do nariz.
– Deixe-me limpar os joelhos, é água oxigenada, não arde.
Sofia permanece de pé, abraçada à mala, nada diz.
– Agora vou pôr betadine, talvez arda um pouco.
Sofia solta pequenos gritos.
– Pronto, já passou a parte difícil, agora é só colocar o penso e… já está!
Levanta-se e encara Sofia.
– Muito obrigada, já estou bem, vou andando.
– Nem pense! Desculpe, quero dizer que não deve ficar sozinha, pode ter uma quebra de tensão, não vá o diabo tecê-la.
Sofia olha para João e sorri.
– Tecê-las, tecê-las, é o ditado popular, diz embaraçado. Sofia volta olhar para ele, desta vez de alto abaixo e sorri de novo. É um homem na casa dos quarenta anos, cabelo meio grisalho, pele morena, alto e vestido com roupa casual. Tem um sinal por cima do lábio superior, o que lhe dá um ar discretamente sexy.
– Olá eu sou a Sofia, obrigada pela ajuda.
– Olá, eu sou o João, repetiria tudo de novo. Quer dizer, volto a ajudá-la sempre que precisar.
Sofia esconde um sorriso irónico.
– Obrigada, sempre que me estatelar no chão, conto consigo!
Ambos riem, Sofia estende a mão, dão um aperto de mãos, ela dá um passo atrás, como se tivesse tido uma tontura.
– Vou levá-la ao hospital, pode ter uma hemorragia interna.
– Não, é só cansaço preciso de me deitar.
– Espere só um minuto, quero dar-lhe uma coisa.
João desaparece a correr e regressa com um embrulho numa folha do jornal Público.
– É um CD, perfeito para descansar.
Sofia olha para o embrulho, para João.
– Não lhe vou dar o meu número de telefone.
Confiante, com voz meiga, João responde.
– Eu não lho pedi.
– Adeus.
– Até breve!
A casa de Sofia é pequena, mas cheia de recantos bonitos, flores, plantas, um pouco por todo o lado, bonecas, aqui e ali, pouca mobília, cores sóbrias, destaque para um quadro pequeno de um homem mais velho que parece sorrir para ela.
Air, Moon Safari é o CD dentro do embrulho. Sofia arranca o penso com uma rapidez incrível, põe o CD a tocar, embala-se pela casa, abraça-se e cai no sofá a dormir, ao som da música doce dos Air.
Esplanada do Jardim da Estrela
João está sentado a ler o jornal Público quando Sofia aparece por trás passa-lhe a mão pelo pescoço. João assusta-se mas depois abre a boca num sorriso rasgado que vai de orelha a orelha.
– Sofia.
– O CD é lindo, obrigada!
– Com todo o prazer. Faça favor, sente-se.
– Não!
– Mas…
– Primeiro não me trates por você. Segundo não me quero sentar quero ir ao cinema! O cinema comove-me…
João levanta-se de imediato, deixa dinheiro na mesa.
– Já sei onde vamos, ao Ideal!
– Hum, apetece-me algo menos ideal…
– De que género de filmes gosta?
– De tubarões, gosto de filmes com tubarões.
João fica incrédulo mas pega no telemóvel, passado uns segundos diz:
– O Tubarão XXI está no Alvalaxia.
– Já estou a pedir um Uber, diz Sofia.
Sala do cinema Alvalaxia
Lado a lado na sala de cinema Sofia come pipocas e bebe Coca-cola. João nem se mexe, com os olhos pregados no ecrã. De repente, quando o tubarão faz a sua primeira vítima, as lágrimas de Sofia rolam pelo rosto abaixo. João, está estupefacto, mas nada diz. À 2ª vítima, Sofia geme baixinho e quando o tubarão faz uma razia de vítimas abraça-se a João, encosta a cabeça no seu ombro a chorar copiosamente. Ele faz-lhe uma festa no cabelo e sussurra, “nada disto é real, é só um filme.
– Eu sei, mas o cinema comove-me…
Bica Duarte Belo
Numa rua estreita da Bica João e Sofia param à entrada de um pequeno prédio.
– Foi maravilhoso este dia, Sofia. Tu és linda, estou apaixonado por ti.
– Que exagero mal me conheces. Mas se me quiseres conquistar dá-me uma frase bonita de um filósofo.
– Humm, deixa ver: “O Homem é um ser racional mas é a emotividade que define a sua condição humana”.
– Linda! É de quem a frase?
– É minha Sofia, és minha.
– Até amanhã professor de Línguas e Literatura Portuguesa…
Sofia entra em casa, João fica no mesmo lugar. Finalmente sai a assobiar.
Quarto de Sofia
Sofia veste uma combinação azul bebé, está dentro da cama, telemóve na mesa de cabeceira. Os Air ecoam pelo quarto. Sofia olha fixamente para o telemóvel. Num impulso pega nele, marca um número.
– João, estou com um problema..
– Então, que se passa?
– Não me consigo vir…
– Ah… desculpa não compreendi…
– Queres cá vir?