«Nunca mais quero ter filhos!» – constitui, ao que se diz, frase corrente da mulher em dores de parto. Transe bem complicado, na verdade, mormente agora que, apesar de se proclamar vontade política de aumentar a natalidade, todos os dias se anuncia o fecho desta ou daquela maternidade. Escasseiam, por outro lado, as ‘mulheres de virtude’, exímias sabedoras da arte de cortar o cordão umbilical e de bem disporem a parturiente para o acto solene, digno e nobre de parir.
Há, pois, essa tortura com final habitualmente feliz. E outras. Quem, por exemplo, se arrisca a operação plástica, sabe do inevitável sofrimento, mas acredita que irá sair dali obra asseada, rejuvenescimento digno de muito louvor, mormente da parte de quem mais directamente irá doravante conviver com o remodelado rosto ou busto deveras elegante. Um louvar a Deus!
Também as povoações têm dores de parto. Confesso que nunca pensara nisso, mas agora me convenci ser bem verdade. A já bonita Cascais, por exemplo, as tem na actualidade, por via das operações plásticas a que a adregaram submeter. E se até fêmea de elefante sabe, apesar de tudo, desenvencilhar-se, em três tempos, do doloroso momento, Cascais sofre de parto há longos meses. Compreende-se: não é pequeno o ventre, não são poucos os pais das crianças e há uma diferença de abismo entre a procriação animal e a gestão urbana.
O CASO DE CASCAIS
Na procriação animal, há o prazer da concepção; a gestação requer cuidados mas cumpre o seu destino, a dor no parto é a costumada e logo esmorece perante o regozijo pelo recém-nado.
Na concepção urbana, tudo se passa também no recôndito. Tem de ser. Há, porém, possibilidade de determinar as características do crianço e a gestação implica transtornos de toda a ordem, de tal modo que, na altura (sempre tardia!) do nascimento, chovem de imediato as críticas, porque a cria, afinal, por estranho que pareça, é uma chata e vai implicar com a vida de todos e obriga a mudar bons hábitos longamente adquiridos.
Está Cascais em trabalho de parto. Desde há uns dois anos, quiçá. E os familiares já quase desesperam, que o parto definitivo nunca mais chega!
A entrada e saída da marginal. Negociou-se com muito proveito a remodelação dum grande espaço comercial. Não ficou nada mal adregaram-se mais uns cobrezinhos em sede de IMI. Chegou-se, pois, a imaginar, um dia, ter esse parto chegado a bom termo, estava lindo o arranjo ajardinado. Não chegou. E logo outras fezes se lhe implantaram ao lado.
É que, nessa entrada e saída, se erguera com pompa e circunstância, em jeito de Titanic (disserem logo as más-línguas), o Cascais Villa. Agora é trambolho, (quase) vazio de lojas. Alberga, todavia, a agonizante Central Rodoviária. Suja, de paredes e chão imundos, sem horários dos autocarros em lugar acessível, nem funcionário que possa servir de relações públicas ao cidadão nacional e estrangeiro necessitado de informação. Uma grávida em transe.
Quem se atreva a descer do comboio e enverede, ao sair da estação, pelo túnel de acesso ao tal Centro, julgar-se-á, porventura, em bem estranho local, mal cheiroso, paredes imundas… E ou atravessa a fugir ou retrocede de imediato, pensando que se enganou e aquilo é acesso a qualquer caverna de trogloditas.
Em vistoso e imponente letreiro metálico, anuncia-se, há meses, a nova Central Rodoviária, do lado oposto ao do Villa. Parto difícil esse, até porque os médicos que acompanhavam a gravidez se deram conta de que a criança estava assim a modos que atravessada ou lá o que era, aquela não era a posição correcta. Deram-lhe, pois, uns açoites e, agora, pode ser que venha a conseguir-se, que haja, um dia, nascimento a aplaudir com a tal pompa e circunstância que se não dispensará.
Daí, desse emaranhado inicial da Av. D. Pedro I se parte para o entroncamento com a Avenida 25 de Abril, mais emaranhada ainda, em demoradas dores de parto ainda mais lancinantes. Estreitaram-lhe os passeios. Bordaram-mos de paralelepipédicos vasos metálicos para sustento de palmeiras anãs. Transplantaram secular oliveira para a placa desse entroncamento. Ao ar tropicalíssimo das palmeirinhas se ajustou assim a nodosa vetustez da árvore da paz por excelência.
Que ela depressa traga a paz à circulação rodoviária da vila ora a comemorar 660 anos da sua elevação a vila.
Paz aos que, vindos da Marginal, anseiam por depressa saírem dali.
Paz aos que partem para a Marginal nascente, também eles solícitos em dar às de vila-diogo.
Quanto aos condutores que ainda tenham a veleidade de virar para a zona do centro histórico, contra a vontade imperante, a oliveira lá está a acenar-lhes docemente, no carrego secular da sua alentejana sabedoria: «É melhor não! É melhor não! Espere mais uns tempos que o parto há-de acontecer!».
De: Teresa Meira
10 de junho de 2024 10:54
E se o que se diz é fechar a descida da Av. de Abril, do desvio para o mercado até à rotunda Sá Carneiro, obriga os veículos, que querem ir para a Baía, a darem a volta até à Rotunda do Auchan.
Mais um “nado morto” neste parto!!!!!
Cada vez que se mexe, piora. Muitas saudades do antigo trânsito, do qual não me lembro de qualquer confusão.
Descia-se a 25 de Abril, virava ao mercado, subia a Costa Pinto (estupidamente fechada) e estava em casa em 2 minutos. Agora, tenho de passar 7 semáforos até chegar ao mesmo sitio….
A “bonita placa” da nova central rodoviária está toda enferrujada. Será arte?