– Ó Professor, veja isto: esta pedra tem olhos!
A Margarida estava a arrumar o monte de entulhos, no decorrer duma das campanhas de escavação na villa romana de Freiria, em Cascais. Fui ver. Tinha olhos, tinha, era uma carranca!

Decididamente, as carrancas perseguem-nos!
Foi esta em Freiria; foram as que demos a conhecer de Cimbres, São Romão e Fontelo; e há as que se mostram, de boca aberta, nas gárgulas dos templos medievais, a troçarem de nós, a meterem-nos medo; são as impertinentes dos Jerónimos a desafiarem-nos…

Agora, foi esta parede a chamar-nos a atenção!

E elas ali estavam. Mais duas. Três, afinal! Uma ao pé da outra, como que em conversa, a comentar a vida de quem passava, como ia vestido, se tinha chapéu, se calças rasgadas à moda, se o decote malandro… A outra, mais acima, como que a gozar o espectáculo.
De entremeio, um resto de friso também nos chamou a atenção, reaproveitamento, quiçá, de algum edifício, seguramente mais nobre do que este casebre, que parece em transe de quase agonia, mas que vai ser recuperado.

São, as duas de baixo, grotescas cabeças, de granito de grão médio, inseridas lado a lado a meio da fachada de um edifício na povoação de Baldos, concelho de Moimenta da Beira. O edifício está situado na Rua do Sisco (a rua é estreita), a cerca de 50 metros a sudoeste da Igreja Paroquial de Baldos.
E assim, perdidos, e agora achados, mas sem contexto, sem que lhes possamos contar a história verdadeira, apenas a que nos é dado suspeitar, estes indícios de mui recuadas eras. Ou será que pertencem mesmo à construção original, de propósito pensadas para ali?
De qualquer modo, neste momento, porque os damos a conhecer, eles possam ser mais apreciados, preservados e os habitantes do lugar voltem a olhar para eles com olhos de respeito e, porventura, a fazer-lhes uma vénia, a deitar-lhes a língua de fora, no diálogo que se preconiza entre o tempo que ora se esvai e o tempo que há muito sub-repticiamente se esvaiu.
Documentos são. A não desperdiçar!
(em co-autoria com José Carlos Santos)
Uma coisa parece certa, no meio das incertezas: carrancas, gárgulas, figuras com aspecto demoníaco, fantasmagórico, fazem parte do imaginário colectivo.
Construídas sob algum desígnio simbólico, como as gárgulas na arquitectura gótica, todas ajudam ao diálogo entre Passado e Presente, ou como nos diz José d’ Encarnação, ao antanho que é matéria de hoje nas conversas de quem passa por elas e as mira com interesse.
A curiosidade de lhes conhecer as origens, permanece, mas mais importante será percebermos que a evolução da humanidade, este continuum que nos aproxima, tem vários rostos.
Bom domingo. Um abraço.