A Rússia tenta contrabalançar o aperto militar da NATO junto às suas fronteiras ocidentais, com o reforço de relações de cooperação com países africanos, depois de ter estabelecido uma parceria firme com a China. África tem os recursos de que o ocidente precisa, a Rússia não precisa deles, mas se conseguir cortar esses fornecimentos à Europa e aos EUA, enfraquece a coligação inimiga.
Em muitos casos, estamos a falar de países africanos há muito ligados por acordos e tratados de cooperação de toda a ordem com a Rússia, desde os tempos da URSS. Foram os soviéticos que alimentaram muitas guerras de libertação africanas contra o colonialismo europeu. O Presidente da Guiné-Bissau assumiu essa dívida de gratidão, em encontros com Putin em Moscovo.
São Tomé e Príncipe não teve guerra colonial no seu território, mas muitos santomenses lutaram contra o colonialismo em chão angolano. De qualquer modo, conforme frisou o primeiro-ministro, “temos relações bilaterais com muitos países e nós não precisamos de Portugal para nos relacionar com outros países”. Uma espécie de ‘coice’ à manifestação de “preocupação” de Marcelo e do ministro português dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel.
Rangel falou em “desconforto”, “preocupação” e “estranheza”, perante o acordo de cooperação militar de São Tomé e Príncipe com a Federação Russa, Marcelo disse “querer conhecer” os termos do acordo. O Governo santomense não apreciou tanta intrusão.
“Se o acordo for publicado, o Presidente português tomará conhecimento como toda a gente. Não estamos nessa fase e de momento é preciso que, de facto, as pessoas se acalmem”, disse o primeiro-ministro são-tomense, Patrice Trovoada.
Quanto à Guiné-Bissau, se houver algum acordo de cooperação militar com os russos, terá sido celebrado em 1960, quando Amílcar Cabral decidiu que o colonialismo só se derrotava na luta armada. É uma relação antiga, portanto. E se Portugal e a Guiné-Bissau têm convivido cordialmente desde a queda da ditadura portuguesa em 25 de abril de 1974, não há nada de novo agora que esteja a alterar esse equilíbrio. A Guiné-Bissau não pediu ainda qualquer indemnização pelos séculos de colonialismo e escravatura a que o seu povo esteve sujeito.
A tentativa de intromissão de Portugal na soberania de São Tomé e Príncipe e da Guiné-Bissau é inaceitável e contraproducente. Se Marcelo e o ministro Rangel olharem para a CPLP com atenção, vão ver que a maioria dos Estados tem vínculos históricos com a Rússia. Mesmo o Brasil, que não teve uma guerra de libertação colonial, tem hoje um Governo que quer ter um relacionamento próximo com a Rússia no fortalecimento da associação de países BRIC, que surge como um desafiador à hegemonia global dos EUA.