Apareceste assim, do nada, Olá, sou a Bruna, e aqueles olhos negros, profundos, intensos, lá ao fundo a chave da eternidade, ainda hoje me acompanham. Os meus olhos pararam nos teus.
Como escreveu Joaquim Pessoa:
Os meus olhos param. Nos olhos de Isa. (...) Nos olhos de Isa a manhã explode num inferno de estrelas, Num clarão de silêncio, em estilhaços de rosas, pétalas de sombra. Nos olhos de Isa os poetas vagueiam num bosque de mel Onde as abelhas constroem a tarde Desesperadamente. Nos olhos de Isa ninguém repara na minha solidão.
A Bruna nasceu nas margens da doçura e da ternura. Uma mulher cuja presença me fazia sentir junto ao rio, no Verão, muito para além dos jogos eróticos dos campos de milho, quase de certeza a chegar ao Souto do Rio.
Descobrimos o corpo nú um do outro, o dela mais desenvolvido, os seios suculentos, frutos que eu colhi ao sol e à chuva e muitas vezes com a cumplicidade da luz da Lua.
Por aqueles dias aprendi que a minha língua era quente, que as línguas eram quentes e que por instantes deixávamos de escutar os pássaros que vigiavam o nosso amor.
O meu cabelo era bonito, comprido, com caracóis, (as mulheres sempre gostaram do meu cabelo) e tu Bruna, agarravas nele e puxavas e chamavas-me safado.
Arrancaste-me muitos cabelos mas não doía nem te doía a ti quando tentavas libertar-te e arrastares-te de costas por não poderes mais até que exaustos, ficávamos nos braços um do outro.
Fizémos juras de amor eterno, um pacto de sangue, passámos uma noite ao luar de mãos dadas mas naquele verão não apareceste.
Percorri todos os nossos caminhos, encontrei paus e pedras e seixos, falei com os pássaros e com os peixes e com duas lontras nossas amigas mas não te encontrei.
Andei pelas margens do rio, perguntei às lavadeiras e aos pescadores, bati o rio com o Noronha e com o João Pina, de noite andei com o Zé Augusto na bateira e um petromax mas também não te encontrei. Nunca mais te encontrei. Perdi-te para sempre.
Dizem que são os amores de Verão mas não pode ser verdade porque não estamos no Verão e continuo à tua espera.
Por estes dias, sei, que irei passar num sítio qualquer, numa rua, numa loja, num jardim, talvez vá de propósito ao Poço do Conde agora neste Verão e assim, do nada, Olá, sou a Bruna!
Chama-me safado.
O autor escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico