Capitães de Abril Nossos Vizinhos

"Foi bonita a festa pá" (*)

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Após meses de preparação, levada a cabo pela Rede Desafiar Algés, dezenas de pessoas juntaram-se cerca das três da tarde de sábado, dia 6 de Abril, na Rua Major Afonso Palla. Distribuíram-se desdobráveis com o mapa do percurso e cravos vermelhos. Num ambiente de convívio que nem a ameaça de chuva iria travar, cedo se ouvia numa coluna portátil o som de Sérgio Godinho, Jorge Palma, Rão Kyao e Carlos Paredes, entre outros. 

Numa primeira paragem, Fernando Alves, uma das vozes da TSF Rádio Jornal, começou por lembrar que os cafés e esplanadas fossem invadidos por uma juventude com ideias progressistas, cansada do regime de Salazar e Caetano. A vigilância da PIDE era menos sufocante e a expansão da freguesia atraiu jovens famílias, entre as quais futuros militares de Abril. O locutor de rádio lembrou ainda a proximidade entre a freguesia oeirense e o Instituto de Altos Estudos Militares, no Restelo.

O primeiro militar de Abril que marcou presença, Almirante Martins Guerreiro, lembrou os encontros iniciais com bom humor: havia muita gente atenta a ouvir as coisas na pastelaria e cafetaria algesina, pelo que se impunha continuar a reunião em sua casa. À chegada ao local, o militar foi aplaudido depois de sair de um automóvel Renault 4 da altura, emprestado por um dos assistentes e renovado. De notar o esforço das autoridades policiais para permitir a prossecução do evento, mesmo com um trânsito considerável, o que já se tornou hábito em Algés.

Já com um grupo mais numeroso (estima a organização do evento que chegou às 400 pessoas), sendo que uma das assistentes agitava a bandeira nacional com orgulho, a paragem seguinte foi no Jardim perto do café Caravela d’Ouro. O militar Luís Costa Correia sublinhou a importância do poder local e autárquico numa democracia, lembrou os tempos de mudança que Portugal vive, com uma viragem à direita nas recentes eleições legislativas e o conturbado panorama europeu com a invasão da Ucrânia, para dizer que “falta algo, o quê? Participação das pessoas. E para isso acontecer, tem de começar no poder local”. Para o orador, quanto mais participação cívica dos cidadãos na vida política local, através das assembleias de freguesia, melhor se poderá construir a democracia.

Num cartaz nesse jardim, lembraram-se as consequências da guerra colonial, para memória futura.

“Queremos que seja uma homenagem, uma lição de História e uma festa”, declarou Paula Montez, filha do militar Rui Montez, que fez questão de lembrar os militares de Abril já falecidos bem como o realizador de cinema António Pedro Vasconcelos, que na sua opinião, se a doença o não tivesse levado em Março, estaria a filmar o evento para uma série. 

Em seguida, frente à sede da Junta de Freguesia de Algés, o Almirante Martins Guerreiro explicou aos presentes como foi a reunião em sua casa, com pormenores humorísticos sobre uma interacção com Melo Antunes, cujas boas ligações com a imprensa e com a Marinha foram essenciais para o plano. Pouco antes, a esposa, da janela de casa do militar, lançou cravos vermelhos para a rua.  Os participantes no evento foram então para o Mercado de Algés, onde os esperava a banda Filarmónica Fraternidade de Carnaxide, que acompanhou os presentes até ao Palácio Anjos, a interpretar várias canções de Abril. 

Já na sala de conferências do Palácio Anjos, o Major Manuel Monge recordou três militares cuja acção fora fundamental para o 25 de Abril. António de Spínola, Otelo Saraiva de Carvalho e Salgueiro Maia.

Joana Melo Antunes, a filha do militar, leu um trecho do histórico texto do Movimento das Forças Armadas, onde alertavam para uma solução política onde as Forças Armadas, recusando o papel de bode expiatório que o poder político iria atribuir perante o fracasso mais do que evidente do “problema africano”, apelava a um regime democrático. A seguir, Santos Coelho, capitão que participou na tomada do Rádio Clube Português, narrou a façanha, com alguns apontamentos mais humorísticos. Por sua vez, Costa Correia, outro militar que participou na Revolução dos Cravos, lembrou que, durante a tomada da sede da PIDE-DGS, ao entrarem no gabinete do então director da polícia política, ele declarou-se de imediato apoiante das Forças Armadas, e até se ofereceu para retirar da parede os quadros representando os altos cargos políticos que então ocupavam o poder. Numa pausa da conferência, a banda Filarmónica animou os presentes (que a organização estima tenha ultrapassado a centena) com canções de Abril, entoadas sobretudo pelas gerações mais maduras. 

O evento terminou no Teatro Amélia Rey Colaço, com uma interpretação de “Sala de Estar” pelo açoreano Romeu Bairos, da Companhia de Actores (antigo Primeiro Acto, também em Algés). 

(*) primeiro verso da canção Tanto Mar, de Chico Buarque de Holanda.

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