A cave da Livraria Espaço, em Algés, em contagem decrescente para o seu 60º aniversário, recebeu esta segunda-feira o lançamento do livro Cadernos de Abril, Canções Revisitadas, uma obra em que o autor entrecruza canções emblemáticas do pré, durante e pós Revolução com memórias de infância e juventude, onde o Portugal dos lemas “orgulhosamente sós”, “pobrezinhos mas honrados” germinava uma revolta calada (e cada vez menos calada até 1974) contra um regime que já tinha passado de prazo e uma guerra colonial muito discutível à qual poucos escapavam.
Abriu o evento um amigo de infância do autor, de seu nome Matos. Não poupou elogios ao local do lançamento: “A livraria Espaço foi e é um importante projecto social”. Sobre a obra do seu amigo, desculpa-se com a suposta falta de toque académico: “são comentários que se originam na emoção de um leigo de literatura, por isso com certeza são tecnicamente imperfeitos, por isso, desculpem-me os especialistas, mas são comentários genuínos”.
“É um livro talentoso pelo seu conteúdo e forma. Para o conteúdo, o Luís foi muito original porque escolheu falar da sua história do 25 de Abril, partindo de canções e cantigas que o têm embalado”. Continuando, o orador frisou que “para a forma, ele escolheu uma escrita de vai e vem, entre as cantigas que escolheu, o contexto que pensou que as poderia ter enquadrado, e as estórias da sua vida, que associou à mensagem das cantigas. Estórias mais ou menos reais e ficcionadas, a tal revisitação que alude no título”.
Matos lembra que “escrever um livro é um reencontro do autor consigo mesmo, com aquilo que foi, é e deseja vir a ser. O livro é sempre o reflexo do seu autor mas deve estar muito para além dele, sendo uma forma de ver em conjunto com os outros”. Sobre os tempos que se vivem, alerta:
“Porém, escrever um livro hoje nos dias de hoje é também um desafio a um presente que está ameaçado pela preponderância de uma linguagem essencialmente visual pretendida na hora uma cultura do ‘aqui e agora’ a que alguém já chamou o ocorrentismo (da ocorrência), os tempos da memória a curto prazo, em que a História passa e não tem de se actualizar. Por isso, este é um livro corajoso”.
O amigo do autor definiu o estilo do livro como uma dramédia e recordou várias canções que constam do livro, num entrecruzar das tais estórias e histórias do antes, durante e depois da Revolução. Entre episódios da sua infância e juventude, testemunhos do Portugal de Salazar e Caetano, Luiz Robalo foi fazendo esse entrecruzar de realidades paralelas e canções de José Afonso, Sérgio Godinho, Adriano Correia de Oliveira, Chico Buarque de Holanda, entre outros, com natural destaque para a madrugada que Sophia de Mello Breyner esperava.
Sobre os tempos presentes, e à guisa de apelo para as gerações futuras, Luiz Rebelo frisa que “vivemos, nos 50 anos da democracia, um processo de aprendizagem contínuo; novos desafios estão sempre a acontecer, e só nos resta ser bons cavaleiros andantes, com Dulcineias no coração, lanças a rasgar o vento e os moinhos”. E prossegue: “temos ainda tanto para aprender! Que a liberdade responsável é inestimável. Que a empatia é uma ligação mais forte que a compaixão. Que o outro é o nosso reflexo ao espelho. E a cidadania é a melhor das honestidades. Que a soberba e as verdades absolutas são ácidos corrosivos”. Ainda sobre as utopias que não se realizaram porque jamais se realizam, denuncia a sempiterna sub-valorização da cultura, “porque o povo quer é foguetes e gaitadas, porque não sabe, porque não aprendeu, porque não se investiu a cultivar o gosto, a educar o pensamento, a alimentar o espírito crítico”, denuncia este assumido pessimista.
“Vivem-se de novo dias estranhos, escuros e desconfortáveis. Voltou o grasnar dos corvos perfilados na tribuna. Parece que falta cumprir Abril. Mas as flores mais resilientes do que nós persistem em desabrochar, lembrando-nos que a vida, para ser plena, deve ser pintada de todas as cores”, terminou o autor.